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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014)



Construção do embate entre mestre e aprendiz pela obsessão pela perfeição como justificativa pelos métodos empregados. Grande dupla principal de atores com J.k. Simmons tomando conta de cena. direção e montagem inspirados. Ah sim, o jazz, putz o jazz...

Por TED RAFAEL ARAUJO NOGUEIRA.

NOTA 9,5

Whiplash. Fenomenal desde sua onomatopeia baterística. 

História à primeira vista simples e óbvia. Um rapaz quer crescer como baterista e seu professor é um carrasco e ao fim eles se entendem. Muito grosso modo essa definição é um resumo certeiro. O grande lance é o método por excelência na construção do todo e no trato com a dupla principal de atores. E o Jazz, ah o Jazz...

Eu acredito que a crítica cinematográfica faz-se mediante o apreço ou desapreço de elementos externos a obra trabalhada, esses nos quais o crítico já possua determinada paixão e fome, no meu caso com este longa, o Jazz. Conseguir compor um comentário coeso acerca do trato cinematográfico mesmo que o filme já tenha como mote o usufruto de algo tão elogiado por mim, simplesmente torna a tarefa ainda mais prazerosa e desafiadora mediante a justiça que possa atribuir ao filme. E o longa não decepciona e usa a magnitude do jazz para o combate análogo entre os egos e os limites humanos.

Tenho grande apreço pelo ritmo por tudo que ele representa socialmente como fomentação de liberdade de método analogamente a seu aspecto de início marginalizado, e posteriormente abrindo para a inclusão das mais variadas improvisações performáticas instrumentais escrotas já vistas nos cenários musicais onde os Standards jazzistas citados no longa puderam brilhar incansavelmente. Em nome as figuras Charlie "Bird" Parker no Sax e o monstro Buddy Rich na bateria. Estes dois e o historiador Eric Hobsbawm, com sua obra "História Social do Jazz", foram os responsáveis pela minha entrada no vício pelo Jazz, apesar de ainda me considerar um neófito no assunto.

Buddy Rick e Charlie Parker. Citações clássicas para o fã de Jazz e novidades interessantes para os que ainda não adquiriram oportunidades para escutar esses animais. Figuras como eles 2 metaforizam o jazz no seu âmago criativo, vertiginoso, exigente, virtuoso e escroto que este longa tenta concatenar na construção de um duelo entre mestre e aprendiz. A junção destes dois artistas clássicos do Jazz é transposta aqui metaforicamente, como já fora citado, em seus dois personagens principais nas condições de criação de uma ambiência que justifique o absurdo qualitativo da concatenação musical. 

Andrew Neyman, Miles Teller em excelente tour de force frente à bateria, existe como o principiante visando o profissionalismo em seu sonho no faça você mesmo do American Dream. Buscando o crescimento atrelado ao esforço absurdo sem recessões (bem como é mostrado como prova a frágil subtrama de seu relacionamento amoroso de fim ríspido) inspirando-se no já citado monstro Buddy Rich como fonte de uma energia que ele pretende que seja inesgotável. Que de inicial inocência mostra-se uma figura complexa que da mesma forma que não cria concessões em seu esforço físico e mental não poupa figuras ao seu redor diante de sua ambição. Ao contraponto do falso corretinho inicial Andrew Neyman está o irascível programador de artimanhas e escroto artista por natureza Terence Fletcher. Este propõe formar uma banda com o que há de melhor de um conservatório nova-iorquino e não poupa humilhações a seus alunos desde que estes componham suas frases musicais de acordo com a perfeição precisa necessária. Esta última figura colocada em tela por J.K. Simmons de maneira estarrecedora. De monstro torturador a maestro por excelência Simmons brilha em seu personagem de forma a usar muito bem todas as metáforas citadas clássicas de jazz, somando-se também a falta de concessões para busca do resultado impecável. Perfeição esta deixa Fletcher e Neyman como lados de uma mesma moeda. Diferentes por experiências e traços metodológicos, e similares em seus esforços.Ainda há espaço para outro debate enfático acerca da educação moldada mediante radicalismos dos mentores onde a conversa entre Neyman e Fletcher num bar corresponde corretamente à discussão. O filme busca explicitar estes pontos e mostrar até onde levam os radicalismos. A questão do sonho absurdo é ressaltada. Fletcher não justifica seus métodos pela busca do seu Charlie Parker e Neyman acaba por moldar-se em parte por estes ensinamentos. Como esses sonhos são justificáveis? Aqui a busca pelo sonho suplantaria quaisquer que fossem os exageros dos métodos. O resultado sendo acima do alto teor de satisfação, que se dane o resto.

A todo momento vemos a sombra do jazz ao redor das figuras em todas as formas possíveis desde o âmbito claro musical propriamente dito até o convívio social marcado pela problemática das relações e preocupações quase que unívocas pela relação profissional, tornando os 2 principais em figuras deslocadas socialmente e absurdamente potencializadas em suas esferas específicas quando se trata de instrumentalização musical. As citações de Charlie Parker só trazem isso a tona de maneira mais clara. Há uma pequena biografia dele dentro do filme que serve de mote para a composição dos personagens. Parker fora um saxofonista extraordinário que chocara o universo jazzístico com sua absurda qualidade de improvisos esplendorosos assim como seu apetite pelo submundo das drogas pesadas e seu convívio social limitado e sofrível. Assim as claras relações entre Parker, Fletcher e Neyman mostram como o Jazz é enlouquecedor, arrogante, embriagante e espetacularmente absoluto em sua existência. Provoca ambiguamente os animais escrotos de nossas entranhas a saírem, e o que sai deles? O antológico final de Whiplash.

Baseado em um curta premiado e transformado em longa, Whiplash brilha na direção de Damien Chazelle em seu segundo longa-metragem, onde além de usar o curta como base faz também o uso de situações vividas por ele, que fora estudante de bateria. Damien propõe o embate de seus dois personagens principais como transposição da busca pela transcendência dos limites humanos. A perfeição. E como este sonho perpassa pela dor e pela trajetória arrogante e egoísta da busca incessante. Mesmo com uma história simples, clássica e repetitiva (no escopo geral e em alguns lugares comuns específicos) a forma como a mesma fora contada demonstra a perspicácia de Damien em construir uma diegese de alta intensidade. Com o uso das inúmeras metáforas que viessem a demonstrar toda a construção do embate central e de como o mesmo aproxima os opostos ao tempo, desmistifica a distância inicial de Fletcher e Neyman mostrando que suas buscas caminham apenas por modos diferentes onde o preço alto a pagar é pelo mesmo objetivo.

O brilhantismo da equipe torna tudo estimulante como na excelente fotografia (Sharone Meir) que compõe com sua paleta amarelada uma iluminação impecável e, por vezes, enclausurante de um estúdio como se fosse ao mesmo tempo uma armadilha pela tão falada busca, assim como um novo passo rumo ao sucesso dos intentos pessoais. A montagem assustadora também merece um puta destaque. Porra que união de planos de forma impecável por parte de Tom Cross, que perpetua de forma extraordinária o universo que a fotografia já propunha. Os planos nas sequências musicais são simplesmente fantásticos, dando toda a intensidade violenta que o Jazz necessita, a estruturação do ritmo diante da força de sua criação é pautada aqui a nível de excelência onde a montagem quebrada se justifica perfeitamente na constituição ideológica do filme nas tensões provocadas. Personificação do Jazz caramba. Isso notando o trabalho sonoro sobrenaturalmente eficiente para unificar elementos tão específicos de um ritmo complexo como é o Jazz. A bateria como um elemento personificador da obssessão, sonorizado extraordinariamente. Direção de arte também deve ser citada, que com a fotografia criaria o ambiente perfeito para os combates propostos. 

Trilha sonora. Essa merece um destaque ímpar no excelente trabalho de figuras como Justin Hurwitz no aporte geral nas músicas originais e Hank Levy na excelente música título. Com insigths rápidos relacionados à Buddy Rich pra aquecer o inferno. Tudo muito bem composto e bem utilizado formando o universo denso ser enaltecido pela qualidade nivelada nas nuvens do que se busca. Porém o grande destaque fica para a adaptação de John Wasson pra obra clássica Caravan de Juan Tizol e do inigualável Duke Ellington, onde ainda há um espaço para um grande solo de bateria evocando o mestre Buddy Rich em toda sua categorização extrema e de seus improvisos por cima dos próprios solos trazendo a tona materiais como a música "West Side Story" de Rich, assim tonificando aqui o Jazz como ritmo obsessivamente incontrolável. Porrada pura. Caravan então ficaria sendo a principal música usada no filme que na alucinógena cena final resume toda a trajetória de seus personagens de tudo que já fora discutido aqui em termos de ideologias obsessivas. Onde é o discernimento final entre os 2 escrotos loucos do Jazz nos olhares finais entre Neyman e Fletcher denotam o "CARALHO, ESSE É O SOM PORRA" que ambos estavam buscando. A perfeição foi alcançada? A busca continua? Sim? Foda-se? O Jazz vive.