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1964: O Brasil Entre Armas e Livros (2019)

Documentário revisionista que busca impor uma narrativa histórica própria que deslegitime a vasta bibliografia sobre o tema, consid...

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Interestellar. A espetacular condição humana vivendo de cinema.

Temporalidade da racionalidade embasbacada com a força do sentimento humano.

O Transcendental físico e filosófico.

Um dos motes desta grande obra, por excelência, do (cada vez mais ambicioso) Christopher Nolan. Um material de grandeza e profundidade suficiente para figurar entre os grandes clássicos da Ficção Científica e do próprio cinema como um todo.

Parte do viés, já bem usado diversas vezes, apocalíptico onde o planeta vieram a ser transformado, onde se haja muitas tempestades de areia e a farta destruição das produções agrícolas pondo o planeta em um grande problema alimentício onde já se estaria a beira uma próxima extinção da raça humana. E eis que uma nave é enviada a um buraco de minhoca na procura por novos planetas habitáveis. Como sinopse solto só isso mesmo.

Questões como percepção da brevidade da vida humana e a necessidade destes seres na luta pela sobrevivência são postas em pauta de tal maneira a não se chocarem com questões direcionadas ao sentimento humano diante do trato científico. Aqui não um conflito, mas sim uma dialética complexa entre razão e sentimento, muitas vezes tentada e poucas vezes obtendo sucesso. Nolan explicita a força do sentimento humano como motor de força para a capacitação científica. Como figuras lutando pela sobrevivência de seus pares podem-se conflitar com a razão da não-extinção humana? Até que ponto estamos titubeando entre a sabedoria e o instinto de sobrevivência própria, inerente a todos os seres humanos? Qual o limite disso? A exposição de estratégias moldadas pela força do estudo científico caminham lado a lado com a polivalência dos sentimentos humanos. Porra, lógico que os sentimentos devem aflorar. Qualquer luta pela sobrevivência humana traz do rancor ao amor. Nolan simplesmente põe estes temas na tela e nos faz objetar acerca do que é necessário para a objetivação do crescimento do ser humano. Onde vamos com nossa prepotência e arrogância? Que valor temos que dar a convivência humana? Temas que trazem o debate acerca da utilização da ciência em prol do benefício humano em larga escala. A democratização da sobrevivência e crescimento é mostrada como opção. Ela é válida ou, simplesmente um sacrifício atemporal deve servir de regência para a sobrevivência da espécie?

A temporalidade como transformação física cíclica denota a perspicácia do diretor ao expor como podemos controlar as formas de crescimento e produção social humana. O pó como elemento de castigo humano numa reestruturação de um planeta que os expulsa por não necessitar mais destes seres. A seleção Darwiniana como analogia de uma esfera referencial de vida na exclusão de uma raça da existência. Forçando a luta humana pela sobrevivência, a batalha inominável. Esta temporalidade cíclica nos faz compor uma estruturação até a ser mencionada como uma espécie de eterno retorno nietzschiano, como forma a transpor em tela condições de contemplação dialética entre a simplicidade e o absurdo da condição humana.

Nolan se permite a dispor de toda uma gama de significações acerca da nossa existência e de nossa própria responsabilidade abundante como seres condicionalmente pensantes e que temos de responder por esta responsabilidade.

Constituição e sobrevivências pautadas pelo amor são temas similares à obra prima Árvore da Vida de Terence Malick (uma das muitas referências de Nolan) são postas a prova a todo instante e como o mote do amor pode referendar uma luta. A crença da constituição científica de mãos dadas com a religiosidade e ao trato sentimento humano são postas a prova em filme análogo a aspectos chaves do mundo contemporâneo. Não é meramente um salvacionismo burro como mostrado em Avatar ou um sentimentalismo e, por vezes, fajuto de Gravidade. É, sim, um estudo acerca do comportamento humano diante da perplexidade da existência.

Nolan exprime um discurso imagético do que há de melhor do cinema americano mainstream hollywoodiano blockbusterista. O cinema diante da agregação da condição de arte e entretenimento e posicionamento filosófico-político. Permeando várias searas temáticas, não poderia faltar a "ordem do dia nolaniana", onde o clímax da resolução de problemas repousa na conjuntura da já tão citada dialética entre a racionalização e a condição humana de sentimentos. Isto é transportado diante do amor de um pai por uma filha, onde a temporalidade é visualizada e moldada como aspecto físico analogamente pelo controle e descontrole que temos de nós mesmos.

Falar da estupenda parte técnica é realmente chover no molhado. Após a impressão que Gravidade causara não se esperava outra coisa de Interestellar que não fosse uma equivalência. Em comparação a Interestellar Gravidade vira mero exercício de direção. Interestellar compõe seu visual diante do trato teórico e prático das relações de existência humana e não um exercício de estética. Tudo está presente para a onipresença do debate da obra. Porém é impressionante o trato visual seco que Nolan exprime a seu modus operandi. Esse visual seco e sem buscas fúteis por figurações inúteis dão cabo a imagens extraordinárias diante do finito e infinito buscados. Uma parte técnica absurdamente grandiosa e ambiciosa em prol da constituição da arte. Tudo com qualidade absurda, desde a extraordinária fotografia (não de Wally Pfister e sim de Hoyte Van Hoytema) à surpreendentemente diferenciada trilha sonora estupenda de Hans Zimmer (que compõe perfeitamente o clima do longa e sem os maneirismos habituais).

O excelente trabalho de elenco habitual de Nolan é levado a cabo pelo cara do momento Matthew McConaughey que expõe a caracterização tridimensional necessária para que leve a sério tudo que é proposto. Isto bem seguido por seus comparsas Michael Cane, Ellen Burstyn, Anne Hathaway, Jessica Chastain, John Lithgow e Matt Damon.

Citações e referências a outros materiais aqui os cinéfilos tem um prato cheio. Planeta dos Macacos, 2001, Árvore da Vida, Star Wars são só os mais claros. Sempre com muito respeito e buscando sempre o novo. Não somente uma pá de referências numa espécie de reciclagem estética.


Aqui temos uma obra de busca pela razão abraçada com os sentimentos humanos e moldada pelo amor abusivo ao cinema. Uma ode à arte. Que tantas outras venham a reboque.

Nota: 9,5   

segunda-feira, 17 de março de 2014

Bang Bang, 1971. de Andrea Tonacci.


Bang Bang. Cinema Marginal. Um filme que viria a preconizar um combate às convenções culturais ortodoxas sejam elas políticas ou estéticas, uma severa crítica ao institucionalismo e a histeria social da classe média, assim como a apreciação a liberdade sexual, a contestação artística em busca de uma liberdade total da forma. 


Apesar de que o filme possa ser caracteristicamente analisado como desconstrutivo, o longa viria a possuir um forte aspecto formal em sua filtragem, com planos-sequências bem estruturados diante de uma excelente fotografia que extrai ao máximo as ambientações sejam elas internas ou externas e a não, ou pouquíssima, utilização da “câmera na mão”. Tonacci preconiza exatamente este aspecto formal para desestruturar a narrativa em uma miscelânea dicotômica entre o formalismo estético e o radicalismo de conteúdo. 

O filme trata da história de uma pequena quadrilha de excluídos e seu convívio nada convencional é mostrado de maneira ainda menos usual e improvisada. Exatamente porque uma das forças motrizes de Bang Bang é a construção do próprio método durante o filme em uma maior preocupação com o processo do que com o produto. 

O tom irreverente de avacalhação é explicitado de maneira constante de várias formas dentro de sua duração, como por exemplo, a conversa inicial (extraordinária) no táxi, que é hilariante pelo deboche e intrigante pelo aspecto metacinematográfico crítico envolvido, que a meu ver, traz uma característica possibilidade metafórica. Esta seria a de que o taxista representaria a indústria cinematográfica brasileira geral, que não conseguiria compreender e, principalmente, aceitar toda uma gama de características do passageiro, representante análogo do próprio cinema marginal, que procura pôr em prática sua vontade intrínseca de existir e não se preocupa com amarras sociais e estéticas. 

Alguns momentos a serem refletidos, também, são aqueles nos quais as câmeras aparecem propositalmente numa brincadeira de Tonacci com a própria linguagem como na cena em que Paulo Cesar Pereio se barbeia com a máscara de um macaco, e vira-se olhando para a câmera. Percebo aqui uma noção do diretor em expor seu modus operandi em uma espécie de diálogo representativo com o espectador. E creio que Tonacci se aproveitara desta oportunidade para mostrar mais uma de suas facetas metodológicas de caráter rebuscado e combativo à algumas formas de estética vigentes no cinema brasileiro do período. Uma edição feita por mim agora anos depois. A quebra da quarta parede de Tonacci - eu havia esquecido esta denominação. Uma das mais belas já filmadas. O que ela representa: "Sou um escroto e daí? Este país também o é." 

A sonoridade transmitida seria de uma total consciência do diretor para causar uma profusão sintomática de sons com a intencionalidade de causar uma confusão no espectador, a meu ver, em uma analogia ao cinema brasileiro geral e à política do país. A trilha sonora irreverente traz um tom de organicidade paradoxal com as imagens no que tange a esta confusão que eu já citei. Percebemos uma conjuntura de imagens e sons que a princípio parecem desconexos, mas, propõe-se (acidentalmente? Duvido) a ser um mosaico sócio-cultural representativo do país. 

Diante da queda das ilusões frente a truculência rechaçatória por parte do governo federal diante do cinema, Bang Bang demonstra sua face escrachada frente às adversidades encontradas e, além disso, acredito que toda a exacerbação da quebra de paradigmas estéticos possa soar também como uma brincadeira em forma de uma confusão que viria a metaforizar o período político e suas violentas nuances tendo na população brasileira a carga sintomática desta confusão. 

Os personagens. Desde sua explosão a vertente marginal já demonstrava seus personagens como seres marginalizados como em Bandido da Luz Vermelha, Matou a Família e foi ao Cinema, além do próprio Bang Bang. A dualidade artística clássica entre bem e mal é metamorfoseada como uma espécie de conjunto estrutural de personagens marginalizados. Em vista: um pistoleiro cego, um travesti e outras figuras estranhas à (e excluídas de) nossa sociedade de outrora, e que no caso do travesti, o diretor mostra audácia ao retratá-lo, diante de todos os intensos preconceitos sexuais que isto poderia acarretar. Mas era isso que Tonacci queria... O choque. Atitudes que agiam como uma força de expressão que buscava exatamente a liberdade criativa, sem se preocupar totalmente com o aspecto mercadológico do cinema (porém paradoxalmente querendo ser visto).

Por fim Pereio (em estupenda personificação). Tonificar seu personagem, que perpassa o filme inteiro em caminhadas e canções, significaria demontrar que em ambos os momentos ele está sozinho, o que simboliza a solidão do ser marginal. Dar voz a estas criações é uma intenção chave para o diretor diante de sua ideologia rebelde a procura de uma transformação inacabável.
Nota 10

Tonacci. Dane-se. Cinema.

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Elysium - 2013



Elysium. Novo filme do sul-africano Neil Bloomkemp, que novamente envereda pela ficção científica e seus percalços distópicos após seu brilhante filme de estréia Distrito 9. Onde a comparação com este último é óbvia por demais para ser descartada ainda que pela expectativa criada pela tamanha qualidade de Distrito 9. Porém Elysium consegue sobreviver sozinho. 


O filme trata da história de Max (Matt Damon) que ao sofrer um acidente químico onde trabalha, lhes é dado o prognóstico de 5 dias de vida. A partir disso ele se envolve com Spider (um traficante de seres humanos) que o contrata para um serviço de risco para, assim, ir a Elysium, local onde vivem as altas castas sociais que abandonaram a Terra e a usam como curral trabalhístico onde exploram-se os mais diversos trabalhadores, que na Terra ficaram, e que buscam desesperadamente sobreviver. Em Elysium não é permitida a entrada de pessoas de castas inferiores, onde entra a questão do tráfico humano e é em Elysium que se possui a tecnologia médica viria a possibilitar a cura das mazelas físicas de Max. Mas o que ele descobre pode ser a chave para o fim da dicotomia social grave existente.

Roteiro do próprio diretor visa menos o debate dicotômico de castas sociais e mais a resolução maniqueísta da trama. Porém quando se propõe a debater a tal dicotomia principal (sim, existem várias) o faz de maneira seca e concisa. Buscando sempre expor conflitos étnicos imbuídos de relevância diante da drástica situação em que estas várias etnias se encontram, onde até o uso de um elenco tão cosmopolita culturalmente denota as intenções deste filme. Mostrando que não só de americanos é feito o cinema e o próprio EUA, analogia nada delicada, marca do diretor. 

Neil Bloomkemp realmente não é um cara de sutilezas. Longe disso. Trata de maneira dura (na maior parte do tempo bastante satisfatória) as questões da luta de castas onde um ponto interessante é ressaltado: a questão idiomática. Questão esta que divide de forma dual diante das castas, onde na Terra se fala Inglês (universal), mas também há a dura presença de idiomas outros como espanhol e português. Aqui numa alusão aos questionamentos acerca da problemática da questão da imigração de estrangeiros ilegais nos Estados Unidos, que, grosso modo, se saem as castas mais abastadas sobraria uma enorme parte dos imigrantes no país (assim como a questão nada sutil do Aparthied mostrado no distrito 9). Em Elysium (propriamente dita) a sujeira é trocada pelo visual clean e pela utilização do francês somado com o inglês como idiomas existentes pertencentes a classe rica americana e européia que possuíam um controle estratégico radical e total de todos os recursos existentes, onde as instâncias controladoras dos códigos morais, éticos e jurídicos tornaram-se mais excludentes e cínicos. A visualização de tudo na própria ilha espacial Elysium é tratado paradoxalmente quanto à Terra, onde Elysium realmente metaforiza o paraíso a ser alcançado pelos terráqueos em agonia.

Desses elementos acerca da questão de paraísos e infernos somos banhados por outra dicotomia pesada entre bem e mal grega na representatividade simbólica e análoga dos Campos Elísios e o Tártaro, na clássica alusão entre céu e inferno aqui devidamente bem contextualizada. Onde os detentores do poder em Elysium deixavam seus indesejáveis na Terra. A Terra seria a significação do Tártaro onde ficavam os Deuses banidos vigiados por Hades, Deus do submundo. No filme há um regulador trabalhista análogo à Hades. Um chefe controlador direto das almas que seria John Carlyle (William Fichtner) dono da empresa de tecnologia robótica Armadyne responsável por grande parte da tecnologia de Elysium, e que tem uma estreita relação com Delacourt (Jodie Foster) a grande poderosa de Elysium. Onde as relações hierárquicas dependiam de todas estas divisões de controle absurdas e fomentavam o crescimento cada vez maior de buscas por poderes mais absolutos ainda. Esta é uma analogia interessantíssima levada a cabo por Bloomkemp e esta é explicitada de maneira satisfatória.

Interessante o tratamento às castas inferiores no que acrescenta-se em relação às suas condições de trabalho, que, de certa forma, retornam quase aos tempos de revolução industrial. Como se uma nova revolução tecnológica tivesse transformado implacavelmente a sociedade, onde muitas das mais diversas e divergentes condições de sobrevivência, diante da exploração trabalhista, viessem a assemelhar-se a outras de 150 anos atrás numa espécie de eterno retorno nietzschiano em que as alternâncias de situações nunca findariam e sempre mostrar-se-iam pertinentemente repetentes (eixo teórico crítico transposto por Neil), aqui comento a nível metafórico, que o diretor se refere, e faço um comentário acerca de alguns elementos, apenas, desta dicotomia, sempre atento a anacronismos errôneos de comparações de totalidade. Interpretação parcial dos acontecimentos e não total. Isso mesmo em alguns de seus pormenores, como o distanciamento social e físico cada vez maior entre patrão e empregado por exemplo. 

A grosseria dentro de um sujeira caracterizada por Bloomkemp cria um clima doentio e formidável onde suas temáticas violentas mostram-se extremamente salutares, como já acontecera em seu filme anterior. A capacidade desse diretor para a disparidade nas relações é tangível e propositadamente grosseira. Distanciada. Nada sutil mesmo. Com direito a até um nojo físico por parte do moradores da própria Elysium, como se estivessem lidando com leprosos. A direção visa a construção de uma ambiência sempre dando a visão de seus personagens, desnudando e não enaltecendo seus extremamente competentes efeitos visuais onde o deslumbre é pelo contexto físico e social. Pode parecer dialético isso, porque o longa se destina demais às grandes cenas de ação, mas com a mesma sujeira e falta de glamour deste universo, mas, realmente é a contextualização distópica metafórica um dos grandes lances do filme. Porém as tais cenas de ação são extremamente bem executadas onde a montagem juntamente com a fotografia presta um excelente papel na inteligibilidade das mesmas. Entende-se tudo o que vê, raro nas mais diversas montagens de grandes filmes de ação. 

Elysium peca em alguns momentos exatamente por se propor a parte da ação contínua onde seus conflitos internos e diversas analogias são pouco explorados (excelentes sim, mas não possuem tanto tempo em tela quanto deveriam).Tudo isso sem esquecer de mencionar o drama envolvendo o seu par romântico esperançoso em Alice Braga, que simplesmente soa desnecessário. Um roteiro mais bem acabado teria sido de enorme valia para uma maior apreciação do filme que fica aquém de seu próprio e grandioso potencial. Dicotomia e maniqueísmo. Explicitei bastante estas palavras, onde se realmente gira nessa atmosfera grosseira e pouco explorada, onde muitas das diversas dualidades permanecem não-aprofundadas. Por isso minha insistente repetição nas palavras, que fica clara a opção política direta de Neil. 

Warner Moura brilha hiperativamente como o líder rebelde escroto Spider em um personagem tridimensional, extremamente humano, e, principalmente, sacana pra cacete. Sharlto Copley brinda o filme como um dos grandes vilões do ano em toda a sua psicopatia e cinismo, compondo a melhor atuação do longa, mesmo com um personagem não tão complexo, beirando o unidimensional. Matt Damon faz dele o que se espera como protagonista levando a narrativa adiante sem firulas em atuação correta apenas. O resto do elenco atua sem contra-indicações e Jodie Foster atua simplesmente no automático em personagem de grande importância e nada explorada. 

Na parte técnica o filme da um banho em todos os quesitos, desde montagem/fotografia à efeitos especiais e sonoros, sempre seguindo a cartilha da bela sujeirada exigida pela atmosfera característica criada por Bloomkemp. Ótima trilha sonora adentrado de maneira correta e sem exageros. Forte e bem composta.

Mas não sai-se muito disso. A crueza temática do diretor merecia um tratamento mais denso a algumas questões, porém um filme de um orçamento mais parrudo talvez não desse espaço para tratamentos mais acabados, e nem por isso deixei-los-ei sem críticas. Pra não me estender mais termino explicitando que Elysium é um bom filme sim, e podemos vê-lo não com a cabeça no Distrito 9 (apesar das já citadas óbvias comparações). Distrito 9 primou tanto por 2 grandes personagens, contextualização de ambiente, criticidade política e social, parte técnica impecável, belíssimo trabalho de direção e um grande roteiro. Essa é a diferença para Elysium que seu problema seria o fato de se encurtar em suas ótimas teorias e aspectos metafóricos a tudo que fora citado. Até as dicotomias (pela milésima vez) de sempre aqui neste cinema sendo problematizada mais em sua estrutura social e em seus pormenores geraria elementos mais positivos que considerassem o longa ainda bem mais como bom entretenimento. Mesmo com suas dificuldades aqui está um ótimo exemplar de um gênero por vezes tão destroçado, mas sempre de inomináveis proposições futuras imundas (só finalizando com um trocadilho sujo e seboso).

Nota 8

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

domingo, 16 de março de 2014

12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, 2013)


A valorização da liberdade.

12 Anos de Escravidão. 2013. De Steve McQueen. Filme baseado em fatos reais que, provavelmente, chega pra ser um dos divisores de águas americano dos filmes sobre o tema em questão. 

Trata-se da história do ex-escravo Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) que é sequestrado, vendido e posto de volta a labutar como escravo, no que viria a passar, novamente (pois já era alforriado), pelas mais diversas provações e humilhações sempre buscando, quando vê alguma oportunidade de provar, que, de fato, és livre. 

Filme brilhante ao que se propõe. Roteiro direto, conciso e seco, baseado em autobiografia de Northup, onde aqui as liberdades criativas do roteirista John Ridley e do próprio Steve McQueen não interferem no absoluto poder seminal desta significativa obra/denúncia. Aqui uma proposição é buscar um caráter de abordagem realística positiva (apesar das liberdades de Fassbender em seu overacting enriquecedor, por exemplo) sobre o que significou a escravidão tendo a situação vivida por Northup funcionando como uma espécie de microcosmo do mosaico escravagista. Neste quesito o filme impressiona pela busca por um realismo seco sem melodrama, onde o horror da escravidão é mostrado de forma crua. Assemelhando-se nesses aspectos a tantos outros longas sobre conflitos outros, como já o fora mostrado o terror da guerra do Vietnã em Platoon, por exemplo, porém sem a tamanha violência deste. A semelhança aqui é mais por alguns aspectos, por assim dizer, semi-documentais. 

Para uma fluência acertada deste grande roteiro a direção de McQueen teria de se comportar da mesma forma compactuando das já citadas secura e crueza. Assemelhando-se a um formato de documentário sem estilismos exacerbados, que cabem sim em filmes como Django de maneira eficiente por sinal. Exatamente por Django possuir outras características, possibilidades e direcionamentos, porém com similitudes críticas a elementos da famigerada escravidão americana, com uma troca de denúncia sarcástica para transposição clara de sentido e conjuntura escravagista (enaltecendo os 2 aqui). 

O que achei clara foi a intenção de McQueen em criar uma atmosfera quase que insustentável, mais passível a concatenações e falhas humanas, e não tão somente vivida de carrascos mecanicistas. Uma busca pelo real que busque não chocar o espectador somente. A violência está lá como elemento pertencente a um determinado período e a sua ambiência. Buscando sempre um sentido não-anacrônico em nenhuma passagem. A opção aqui, em relação a este período, é sim afrontá-lo, trazê-lo ao debate, prover argumentações. Promover força de sentidos, trazer o sangue e discutir a preponderância do poder da libertação humana e sua importância de existir. 

Elenco. Atuações soberbas em sua maioria, começando por Chiwetel Ejiofor, no difícil papel principal, onde o ele nos traz uma intensa força ao papel fugindo dos clichês de vitimação inoportuna, e sem nenhum tipo de caráter triunfalista. Todas as camadas, desde o desespero ao triunfo final, são perpassadas por Chiwetel de forma categoricamente natural e segura. Sem firulas como o filme já o é. Michael Fassbender mostra o já habitual talento, neste caso até para o overacting citado, que aqui funcionou bem, apesar do clima do filme parecer não permitir tais intentos, mas Fassbender não nos traz a caricatura em si, e sim, uma proximidade da mesma (por mais paradoxal que isso possa ser) com exageros humanos ao limite do aceitável. O vil Edwin Epps, explorada sua fraqueza de caráter onde impõe sua força ao preço de qualquer situação, principalmente sexual, e isso é demonstrado com muita garra e pavor. Excelente. Porém creio que a grande atuação do filme seja da queniana Lupita Nyong'o, em papel de escrava sexual extremamente difícil onde não se deixa em momento algum que transpareça um situacionismo farsesco por demais. Assustadora a sua cena rápida de tortura. E assim como em Solomon (ou até bem mais que ele) nenhum tipo de triunfalismo inútil. Excelente opção do diretor no trabalho com esta surpreendente atriz. Representante de alguns dos maiores valores escrotos do escravagismo. 

Fotografia perfeita casando com o clima cru por vezes documental (novamente) do longa propõe-se a mostrar a saga de Northup sem triunfá-lo diretamente, apenas mostra-o como mais um que lutara pra sobreviver diante de tantas adversidades. Correta edição, excelente trabalho sonoro. Completam o serviço uma contida trilha sonora de Hans Zimmer, ao contrário de alguns temas seus mais ribombantes anteriores. Porém não lá muito original. Sempre lembranças da trilha do filme A Origem, também sua, aqui e ali.

Filme que gera uma gama de discussões acerca do tema e onde, por exemplo aqui no Brasil fomenta a discussão da situação da exploração sexual por sobre os escravos amenizada por Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, onde o próprio tratava a situação de maneira bastante condescendente, onde é explicitado que as escravas simplesmente seduziriam o senhor em vários casos por exemplo, e mesmo que existam fatores de exploração sexual não seriam citados com espaço suficiente nesta obra. Cabe a discussão, sem destroçar anacronicamente a obra de Freyre, mas, sim, problematizá-la e compará-la ao que analisamos vários anos depois em 12 anos de Escravidão em sua exposição mais clara e, sim, realista destes fatos, comparadamente a obras anteriores como o próprio casa grande, refém de sua época. Não esqueçamos disso.

Em um país como o nosso em que outras discussões do tema transformam-se e constituem-se em outros braços das anteriores, como acerca de cotas raciais nas universidades que enchem bares e botecos pelo Brasil afora, este grande filme veio em boa hora para alimentar e enriquecer os mais diversos debates.

Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

15 minutos (15 minutes, 2001)

Força midiática, polícia investigativa, insanidade (?), cinema, televisão, jornalismo, assassinato, lei penal, código moral transtornado. Aqui são alguns dos temas utilizados por este grande filme policial do começo dos 2000, que, se tornaria, a meu ver, um grande expoente dos filmes do gênero. Pode parecer ingenuidade citar algumas palavras iniciais que adjetivem acerca das claras temáticas do longa como "cinema" e "assassinato" entre outras, porém a forma como o filme nos brinda com esses elementos levando-os ao escracho metalinguístico em forma de turbilhão imagético narrativo divertidíssimo fazem-se valer como citações logo de cara. Diretas. Assim como esta cria do cinema o faz. 

Não há nada de tão novo assim no front em se alfinetar a televisão e o próprio cinema, a hollywood de outrora já se permitira a isso em seus anos de ouro por exemplo. Porém aqui há uma modernizada em tais elementos, onde expõe-se a cultura do exagero das massas que regozijam-se na violência por meio de programas reality shows sensacionalistas manipuladores (denominação óbvia, porém nunca envelhecida demais). Manipulação esta anexada e concatenada por uma dupla de estrangeiros que viram como lucrar sendo assassinos fingindo psicopatia diante do American Dream e seus devaneios políticos, culturais e sociais. Onde a selvageria midiática é predominantemente cínica em seus mais absurdos pormenores, e estas personas encontram nela formas de subjugarem leis e destinarem-se ao sucesso.

A história gira em torno dos emigrantes Emil Slovak (tcheco interpretado por Karel Roden) e Oleg Razgul (russo por Oleg Taktarov) que buscam encontrar um amigo que lhes deve dinheiro mediante um roubo passado. Como o amigo gasta o dinheiro Emil o mata e sua esposa e incendeia o apartamento. O crime começa a ser decifrado pelo investigador dos bombeiros Jordy Warsaw (Edward Burns) e pelo famoso (participante de um reality show policial) detetive Eddie Flemming (Robert De Niro). Os crimes de Emil vão num crescer e seu pensamento de conseguir vencer diante da fama sobrepujando o sistema enganando-o projeta-se cada vez mais alto. 

A forma como Emil percebe a manipulação midiática é hilária, desde programas de fofoca e reconciliação amorosa ao estilo Sônia Abraão, à programas policiais biográficos que contam os crimes e vitórias de determinados criminosos que conseguiram burlar o sistema falseando uma inata loucura. A estranheza exposta por Emil, transforma-se em felicitação visto que o todo poderoso do capitalismo neo-liberal deixa para democracia profundos entraves jurídicos, que se permitem a coexistir e somar-se a vácuos morais. Isto é posto por todo o desencadeamento das ideias de Emil em que ele colhe diversos elementos para seu intento na própria cultura de massa americana, aprofundada em uma substanciação cultural escrota e controladoras das massas. 

TV. Órgãos estatais. Favores? A televisão, e seus meios, controla largas parcelas de opinião crítica social da população, onde diversos órgãos estatais buscam sua aprovação. Mesmo que seja ela para um maior nível de fundos que os sustentem ou para que o trabalho de determinado órgão seja facilitado através da exposição da mídia em certos casos, e, é claro, para ambos, que haja um clamor do público para um aumento estrutural de um pseudo-arraigado bem estar social transposto aos populares. Visando assim, de maneira mais condescendente, um apoio aos órgãos citados. Logicamente também do próprio sistema político. 

Sempre a manipulação sócio-cultural dos meios de comunicação é mostrada de maneira sarcasticamente responsável por determinadas idiossincrasias populares em quesitos de formadores de opinião. Opinião em que a política se mostraria pautada pela mídia, diante do que fora citado no parágrafo anterior nas preocupações de órgãos estatais com aparições positivas na mídia por exemplo. 

Todos esses elementos são jogados na tela onde a ironia das falhas do sistema criminal americano sejam propiciadas pela mídia, num círculo vicioso que mostra-se sibilante em 3 grupos: sistema político, mídia (principalmente aqui a televisiva) e população telespectadora. Que necessitam e persigam uns aos outros onde o último é manipulado pelos dois primeiros, que trocam favores através, entre outras coisas, do ibope poderoso que pode ser gerado pelo terceiro grupo. Buscas por votos e por dinheiro. Pura manipulação viciada. 

Tudo isso moldando-se em um caso policial extremamente bem conduzido pela direção de John Herzfeld, que modula sua dramaturgia a todo um mosaico político, social e cultural sempre mantendo um equilíbrio entre tudo que venha a acontecer. E com uma estrutura policial eficiente e não inovadora. O velho: descobriu/investigou/tragédia/fechou o caso. O grande lance aqui é ironizar o próprio gênero também, assim como todo o resto já o fora. Onde a morte de um personagem importante é refletida numa divertida piada metalinguística dita por Oleg Razgul: "Todo bom filme precisa de uma grande tragédia." 

Um elenco afiado desfila personas por vezes bidimensionais, por vezes somente tresloucadas, e sempre cumprindo um papel na participação ao clima sarcástico perpetrado pelo longa. Robert De Niro aproveita a brincadeira com seu policial midiático Eddie Flemming onde o contraponto nervoso e explosivo de Edward Burns como Jordy, se encaixa de maneira bastante positiva. Há um destaque formidável a dupla de vilões, onde a sagacidade cruel de Emil se une ao divertido new film-maker de Oleg Razgul, que ironiza a sétima arte com sua câmera nervosa e com seu vício pelo cinema americano.

Como comentário técnico destaque a ótima e frenética edição, que consegue expor toda a gama de elementos diversificados sem causar uma grande confusão e mantendo-se certeira e direta na ação. Outros quesitos como fotografia, som e trilha sonora atuam discretamente sem contra-indicações. 

Policial, diferente, político, pequeno louco, sacana e extremamente divertido. 15 minutos. Pra cada um que busque os seus na terra da liberdade.

Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Círculo de Fogo (Pacific Rim, 2013)


Nada de novo front. Vamos a alguns motivos para tal. Robôs construídos para uma luta contra alienígenas "godzilianos" onde a tecnologia (novamente) capitaneada pelos norte-americanos venha a salvar o mundo. Aqui jaz a sinopse. Até que se o longa por acaso possuísse uma boa direção, não abusasse de um amontoado de clichês e tivesse efeitos melhores (minimamente mais contundentes na visibilidade dos mesmos pelo menos), poderia ser um bom filme. Poderia. 


Mais óbvio que este roteiro impossível (pelo menos muito difícil). O que houve aqui? Arremedos de personagens transpostos em tela em diversas composições de frases feitas e ditando justificativas batidas (caso existam e quando as mesmas ocorrem seriam: vingança, senso de dever inabalável) onde a força desmedida (e descerebrada) vence qualquer (por mais primitiva que seja) inteligência (pelo menos na saga dos Mercenários a farra humorística é explicitada desde o começo, por exemplo). Colocar russos e orientais como coadjuvantes mudos seria nada mais nada menos que um mero silenciador renitente por sobre aqueles que venham a reclamar da americanização dos heróis como o há em Armaggeddon (1998 - Michael Bay) por exemplo. Não deu certo. Aliás, pouca coisa realmente se salvara. 

Há vários elementos mais específicos onde se primara pela inércia criativa ou mera incompetências que citá-los-ei. Como reconstruir muralhas enormes mesmo após os Kaijus as destruírem com uma certa facilidade? Isso seria um teste a inteligência do espectador? Além desses clichês (e talvez alguns outros esquecidos, porém quase esqueço do infantil cientista cômico) há pequenos erros que venham somente a somar a falta de esperteza (de bom senso pra dizer o mínimo) da equipe criativa. Como por exemplo, já perto do fim, um jaeger é erguido num vôo por um kaiju numa velocidade constante e que 3 tomadas depois o jaeger se desprende e cai a uma altura inimaginável visto o tempo que os 2 teriam subido. Erro de continuidade básico ou falta de boa vontade de minha parte? Além do fato que alguns jaegers (bastante pesados pra dizer pouco) seriam transportados por uns 3 ou 4 helicópteros. Grandes helicópteros, que beleza. Tanto em estrutura geral quanto em pequenos detalhes narrativos o filme peca primorosamente, onde tudo nos força a aceitar (não somente uma inverossimilhança) uma história acéfala e sem elementos que no mínimo a tornassem digna de empatia.

Referências negativas e positivas (minoria). Como algo de positivo, alguma pálida homenagem aos samurais japoneses vistos em filmes como 7 Samurais (1954 - Akira Kurosawa), Yojimbo (1961 - Akira Kurosawa), para citar alguns, no que tange há algumas atitudes em combate dos jaegers e numa forçada honradez de sacrifício do general unidimensional que morre heroicamente dentro de um clichê clássico já visto em Independence Day (1996 - Rolland Emerich) entre outros filmes. Homenagens que visam enaltecer antigos filmes (muitos desses até mais contemporâneos. Até séries como Power Rangers podem ser mencionadas) mas que permanecem como muletas frágeis de um roteiro preguiçoso que busca compor todo um caráter imagético catártico sobre o espectador diante da exibição de tudo, e que (onde) o consegue, consegue de maneira constrangedora e descartável deixando o expectador, por vezes, olhando ao relógio a contar o tempo para retirar-se desta experiência. Até a relação do soldado revoltado com a vida e com papai também existe. E o pai desse cidadão, porém, logo após a morte de seu filho o mesmo dispõe-se a se preocupar mais com outro soldado que ele nem conhece e quase esquece o filho morto, realmente a relação entre pai e filho não era boa. Pena. Assisti ao filme uma única vez e pretendo continuar assim, por isso minha crítica, por vezes, venha a visar mais elementos esparsos do que o próprio em si por achá-lo quase que inexistente no que seria minimamente necessário a padrões de qualidade que me presto a julgar.

Segue novamente o velho heroísmo idiotizante salvacionista de papelão (uma frase feita em homenagem ao filme) que permeia os discursos de peitos estufados onde a raça humana sempre prevalecerá e onde o American Dream nunca será desvanecido. Se a catarse for embasada no tédio e no farsesco terá dado certo. 

Como já fora mencionado, o roteiro extremamente esquemático (simplista é um grande elogio caso eu o fizesse) poderia ser camuflado por uma boa direção, porém Guillermo Del Toro prima pela falta de originalidade (quem diria depois de seus bons e cultuados filmes) no (já) velho abuso de cortes em sua montagem (pra citar umas negativas) e (principalmente) da proximidade dos planos em cenas de batalhas onde quase nada é entendido como nos Transformers (2 - 2009 - e 3 - 2011 - principalmente. De novo o cinema de Michael Bay). Onde não conseguira em momento algum desviar as grandes falhas deste roteiro a uma direção minimamente correta ao menos. Este quesito compõe-se mais como outro elemento onde se parece transpor uma preguiça, que ao invés de uma (sonhada) busca por um visual repaginado (no mínimo) além de uma história (não que fosse crível) que causasse algum interesse, simplesmente mantém-se a mesmice cansativa. 

Alguns efeitos se salvam com belas imagens dos jaegers e kaijus mas somente quando estão parados e visíveis , coisa que pouco acontece. Alguns planos de Hong Kong devem ser lembrados aqui e ali, mas é pouquíssimo para uma produção que prima demais para a parte técnica, onde nem na mesma se salva por completo. Como excelência vale-se somente pela trilha sonora original, bem feita e empolgante, sem ela o filme conseguiria ser pior do que já o é (o que é difícil, mas possível). A última qualidade seria o visual dos kaijus relembrando antigos filmes do Godzilla e outros monstrengos sessentistas, inicialmente fora esse caráter que viria a despertar minha curiosidade inicial acerca do filme, porém meus anseios caíram por terra por conta de tantos defeitos nas mais diversas áreas. 

Enfim uma miscelânea desorganizada, onde acredito ser de uma boa vontade exacerbada uma busca por encontrar referências inteligentes e devaneios orientais ao que se experiencia, o que na verdade apenas transparecem elementos, dos mais fáceis e de mera ilustração temática, da série Power Rangers, filmes do Godzilla, Independence Day entre outros. Onde aqui é bem pior a tudo que se inspira. Até deu saudades do Godzilla de borracha (nem falo do primeiro que é um clássico sério, mas das continuações mais trashs mesmo). Parece mais um filme de encomenda para adolescentes do que uma obra autoral (o que, logicamente não é novidade e seria até esperado em âmbitos gerais). Voltem monstros de borracha.

Nota 3 (pra ser gente boa)

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013)

Desespero pela vida. Grande mote deste filme que visa, honestamente, um tratamento adequado ao tema da AIDS como pertença social nos anos 80 de maneira clara, sem muito dramalhão como alguns preconizaram que nele existira. Como sobreviver a uma doença ainda em conhecimento onde em seu próprio país há preocupações corporativistas outras em detrimento da situação propriamente dita dos soropositivos? Esta é uma das indagações observadas e feitas por este belo filme de Jean-Marc Vallée. 

Em pauta os percalços do eletricista Ron Woodroof (McConaughey) apostador de rodeios de vida, por muitas vezes, desregrada que descobre ter AIDS e passa a lutar pela sobrevivência tendo de lidar com empresas farmacêuticas no seu rabo por ele usar remédios não aprovados pela FDA - Food and Drug Administration (instituição que regula a legalidade de alimentos e medicamentos nos EUA). Por esta perseguição Ron passa a importar remédios considerados ilegais pela FDA e cria um Clube de Compras de medicamentos pra suprir as necessidades dele e de tantos outros soropositivos.

Há inicialmente o tratamento preconceituoso por boa parte da população, neste caso, os conhecidos de Ron, que o tratam como homossexual e pervertido, além de um nojo por uma doença desconhecida. Estes aspectos servem mais para compor o universo difícil no qual Ron (em queda brusca) está empregado do que uma crítica mais incisiva a estes mesmos aspectos. O veneno fora guardado para outras instâncias. Este preconceito aplicado servira mais como catapulta de expulsão e queda de Ron para uma busca por sobrevivência dos tais medicamentos fora de seu ambiente.

A visão dada acerca do homossexualismo é dolorosa e sem devaneios melodramáticos. Nos traz o sofrimento de muitos desses marginalizados sociais, que além de já serem tratados como excluídos buscavam lutar por sua sobrevivência diante de uma situação por demais implacável e deveras insustentável. E este tratamento é dado de maneira vigorosa e honesta, buscando sempre um discurso voltado contra o preconceito sexual. Logo deixando à vista as intenções acerca de que os erros e acertos dos mesmos deveriam independer do tal preconceito sofrido por eles, mesmo que se compreenda não-anacronicamente a situação temporal explicitada. Uma luta contra o tratamento desumano pelo qual os homossexuais soropositivos dos anos 80 e começo dos 90 (muitos até hoje, logicamente) passaram. 

O maior veneno fora deixado para a crítica social e econômica, que aqui é bastante direcionada e clara. Seria exatamente aos conchavos entre instituições médicas e empresas farmacêuticas. Onde a FDA e diversos hospitais se beneficiam destes conchavos em que as farmacêuticas acabam por possuir determinado monopólio de um medicamento específico tratando-o de maneira experimental a seu bel prazer. Além de aproveitar-se da situação “semi-cobaia” de muitos doentes, utilizado-se da urgência de momento da doença como fator de confusão sobre a funcionalidade de tais medicamentos, que aqui o explicitado seria o AZT. Todo este processo escuso e desumano é mostrado de maneira explícita, onde até o humor de tais ironias (americanos subvertendo a lógica do imigracionismo em busca de sobrevivência) diverte e assusta devido a desumanidade de alguns perante o desespero coletivo. O corpo humano como subalternidade do corporativismo médico que transpõe hipocrisia num farsesco salvacionismo que põe o AZT como grande esperança à cura da doença é tratado em pauta a todo instante aqui e sempre mostrado como um dos motivos óbvios de boa parte da mortandade e dos maus tratos aos soropositivos. Não seria de hoje os problemas americanos com a saúde onde o caso da falta de um sistema de saúde pública sempre vem a baila nas discussões acerca do tema.

No caso da exploração dos soropositivo via AZT bastar-se-ia sim encontrar a dosagem certa do mesmo para uma sobrevivência dos infectados. Porra. Os remédios naturais externos (comprados no México) já ajudavam mais que o próprio AZT em um período. Futuramente ele funcionaria em dosagens bem menores e com outros produtos, muitos dos quais anteriormente proibidos pela FDA. Porém ao AZT, em fase de testes, não era lhe dada a certeza plena de funcionamento, mas o tal funcionamento dos remédios naturais mexicanos era claro. É aqui o claro conflito. Melhor morrer diante da tecnologia médica escusa, errônea e homicida americana do que qualquer apoio (no exemplo mexicano logicamente) de um país vizinho com problemas históricos e políticos com os EUA. Isto somado aos já diretos aspectos empresariais embutidos de maneira lógica. 

O roteiro é direto, cartas na mesas logo de cara, sem muitos subterfúgios. Onde o combate dos doentes contra as empresas é galgado de maneira próxima juntamente buscando expor as dificuldades da doença, os já citados preconceitos acarretados por ela, e as maléficas ambições corporativas mediante a destruição humana (de certa forma um clichê já utilizado em vários filmes, porém aqui a direção, o humor irônico e os 2 atores principais nos fazem permitir tais repetições numa boa). As liberdades tomadas pelo roteiro só enriqueceriam a trama (o personagem esplêndido Rayon de Jared Leto, por exemplo, é fictício) e comporiam camadas metafóricas outras (como na montaria do touro ao fim do filme). 

As duas atuações principais. Matthew McConaughey como Ron Woodroof (que encabeça a luta/tráfico pela sua sobrevivência) e Jared Leto (como o travesti Rayon) compõem estupendas performances em composições dramáticas tridimensionais que vão do desespero, raiva e solidão ao humor irônico e ácido escroto de maneira totalmente corrosiva e natural. Além é claro da impressionante composição física de ambos que impressiona. Interessante também por serem atores de trajetórias distintas. Matthew transformou sua carreira após Killer Joe e Jared estava dedicando-se a sua banda quando se envolvera neste projeto. Ambos foram impecáveis nessas difíceis composições ajudados pelo ótimo roteiro que os acompanha e lhes da a liberdade e espaço necessários para quaisquer enfrentamentos de situações. 

Parte técnica coesa e sem firulas. Da boa montagem a divertida trilha sonora. Onde a fotografia se prontifica a desnudar os personagens sem nenhum maneirismo visual triunfalista.

A imprevisibilidade conjunta da vida. Ao final a tal analogia interessantíssima que eu explicitei parágrafos atrás, que em sua última cena o eterno apostador Ron decidiria cometer a última aposta. Montar em de seus touros nos quais sempre só apostava. Moldando aqui o formato de como um peão de rodeio poderia representar indistintamente um microcosmo da vida humana mediante grandes vicissitudes perpassadas por seu árduo caminho. Onde numa hora se acha que está no total controle e um segundo depois o touro pode te rasgar no meio.

Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Gravidade (Gravity, 2013)



Este tive o prazer de ver no cinema. No mais sua grande característica é esta: O choque catártico imagético e sonoro em tela.

Espaço.

Bom a história se resume a quase uma sinopse: após um acidente, destruição de um satélite russo via bombardeio? Foi essa marmota que entendi. Forma meio estapafúrdia de destruir um satélite próprio, acidente absurdo ou a forma russa de embaçar uma missão americana? 3 hipóteses idiotas possíveis que o roteiro não se atém a explicar - a cientista Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e o astronauta Matt Kowalsky (George Clonney) ficam a deriva tentando sobreviver e voltar a Terra.

Direção.

Indo logo ao que interessa. Gravidade é um dos mais arrebatadores arroubos visuais (fazia um certo tempo que eu não me surpreendia com tal apuro visual em um filme desde Árvore da Vida em 2011 precisamente) dos últimos anos por conta de sua estupenda direção, fotografia, edição e feitos visuais que fomentam as várias camadas metafóricas acerca do valor da vida humana dissecadas do simples (por vezes simplório mesmo) roteiro que venham a enriquecer o filme - algumas camadas estas que remetem a similitudes (a questão da importância da vida humana diante do extraordinário a sua volta por exemplo) também ao Árvore da Vida, porém sem a mesma sensibilidade e genialidade de Terrence Malick. Porém em Cuarón o tratamento aqui é de maneira mais intimista diante do arroubo metafísico de Malick.

O início extraordinário, o já tão comentado plano-sequência inicial (aliás planos-sequências no plural a meu ver, porque pode-se perceber a possibilidade de um corte claro em que a câmera, em determinado momento, se volta belissimamente contemplativa para Terra onde pode ter havido um corte ali - coisa que o Hitchcock fez em "Festim Diabólico" em 1948, e não desmerecendo Cuarón de forma alguma aqui), que transpõe o absurdo da qualidade técnica do longo e nos mostra somente o começo do deslumbre.

Roteiro e direção.

Após o famigerado acidente (presentes aqui espetaculares movimentos de câmera numa odisseia agonizante de Stone até se livrar do módulo espacial em volta de toda uma estrutura que é destruída com uma apavorante sonoridade quase nula que alimenta carnivoramente o clima de tensão) Matt encontra Stone e partem em busca de uma estação russa onde há um módulo com combustível o suficiente para levá-los de volta a Terra. Aqui nem entro demais no mérito do porquê não existir ninguém em nenhuma das estações (russa e posteriormente chinesa), quem sabe após descobrirem o acidente foram abandonadas ou simplesmente não estavam em funcionamento, outro ponto que o roteiro simplifica não expondo estas informações visando enaltecer o caráter de solidão de Matt e Stone.

Direção de novo. Metáforas.

Metáforas claras sobre vida e morte são traçadas a todo momento (bela cena do útero) e a luta do ser humano pela sobrevivência em espaço enclausurado onde depende-se de sua força para seguir adiante mediante as adversidades impostas por um situação quase insustentável de conter a vida humana. A vida em construção. Um feto a sobreviver ao útero imemorial, numa luta constante em uma ambiência desconhecida. Essas são algumas das metáforas mais interessantes empregadas por Cuarón em seu longa. Não soa tão superficial e nem tão gratuito, porém, repetindo a comparação anterior, não possui a sensibilidade de Malick. Mas possui força e coração pra se levar adiante este drama metafórico entre vida e morte já tão explicitado aqui culminando no último elemento... a terra, onde a luta já havia se dado com ar, fogo e água. Bom final, um pouco melodramático demais, mas satisfatório e belo em grande parte.

Roteiro. Simplista. Solidão. Desculpa ou inteligência? Os dois.

Roteiro. Já apontei alguns elementos duvidosos do roteiro que sempre busca a falta de informações para manter o nível solitário que Stone deve ter. Agora, mas com a falta de experiência da personagem como ela ia lidar com estruturas de navegação que não lhe eram tão conhecidas? A meu ver aqui houve um consenso entre as nações que possuem estações espaciais e buscam obter similitudes para que casos que assim ocorram possam ser mais bem resolvidos? Ou simplesmente por dois países usarem a patente de um país e pagarem royalties por sua tecnologia? Isso o roteiro nem se dispõe a tratar, porém trata-se de uma certa preguiça envolta do tal aspecto de solidão explicitado. Na maior parte do tempo funciona, mas a falta (de competência para tal) de informação no acidente inicial porém não funcionara comigo, que é um ponto de virada para toda a construção da dramaturgia geral do longa.

Outro problema seria a superficialidade de alguns clichês grosseiros na formação da personagem de Stone. Primeira missão dela (a novata que se vira e sobrevive, batido demais, logicamente), acontece um acidente e ela tem que dar um jeito pra não morrer, e ela ainda acaba de perder a filha e precisa de motivos extras pra viver. Realmente não era necessário este dramalhão todo com ela e também quando são mostradas fotos da família de um determinado personagem com ele morto ao lado pra se causar choque ou certo melodrama. Não estragam o filme mas arranham uma obra que poderia ser revolucionária além dos aspectos visuais e sonoros, porém a criativa direção de Cuarón transpõe alguns limites do roteiro. Felizmente em sua maior parte.

A alegria da parte técnica absurdamente boa.

Falar da parte técnica é chover no molhado. Assim como Cuarón, um dos responsáveis pelo absurdo apuro visual deste filme, Emmanuel Luberzki, não por acaso o genial fotógrafo de Árvore da vida, que aqui repete a qualidade absurda de seu trabalho casual em uma paleta de cores estupenda tanto na visão desoladora do espaço, seus perigos e desdobramentos à visualização claustrofóbica por dentro dos módulos russo e chinês diante também de suas dificuldades e perigos apresentados. Uma fotografia andando lado a lado com tensão do filme onde nos conduz ao final redentor num lindo contra-plongeé de sua protagonista.

Edição e som estupendos seguindo as qualidades da direção de fotografia, onde todos moldam-se aos aspectos metafóricos visuais e o eterno deslumbre do filme, o que é deveras vantajoso, apoiar-se no que há de sublime. Difícil não se alegrar com a qualidade visual do longa do começo ao fim.

Trilha sonora de Steven Price soa acertada, inteligente e tensa nos momentos certos, onde o silêncio e o respirar balbuciante fazem parte da sonoridade por vezes musical do espaço.

Efeitos visuais extraordinários, caprichados diante das exigências de Cuarón e seus planos-sequências, uma verdadeira revolução tecnológica, antes vista em pouco mais de 20 filmes. Ponto altíssimo do filme.

O elenco seria mais para uma dupla, que faz o serviço de maneira competente, onde Sandra Bullock compõe a melhor atuação de sua carreira em uma personagem simples que passa por provações físicas e mentais absurdas, e ela faz isso com naturalidade e paixão. George Clooney se diverte com Kowalsky, servindo como ponto de fuga para as adversidades absurdas oferecidas pelo inóspito.

Homenagens a "2001 - Uma odisseia no Espaço" soam divertidas e belas, a clássica cena da caneta por exemplo, e assim como citei Malick, a questão da valorização e nascimento de uma vida humana, já feito impecavelmente por Stanley Kubrick, é representada aqui. O filme perambula cheio de citações visuais acertadas que tanto homenageiam quanto metaforizam o cinema e a vida, um cinema pulsante, vivo, amor ao cinema, amor a existência humana. Mau roteiro. Bom filme.

Nota 7,5

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Hora mais Escura (Zero Dark Thirty) 2012

Advinda anteriormente de um filme que trate dos entremeios bélicos americanos, Kathryn Bigelow nos traz outra obra sua a respeito das investidas americanas contra o alcunhado terrorismo. Trata-se da história de caça ao homem mais procurado do mundo Osama Bin Laden. Após o 11 de setembro de 2001 a guerra ao alcunhado terrorismo estava declarada pelo presidente Bush e sua cúpula contra o grupo terrorista Al-Qaeda e seu famigerado líder Bin Laden. 

Bigelow comete a decisão acertada de focar seu filme na caça da inteligência americana propriamente dita, e não dar espaço a discursos políticos exacerbados e descartáveis, acerto também cometido em sua obra anterior The Hurt Locker (guerra ao terror - tradução infeliz). A diretora busca (?) uma maior aproximação possível de uma (não) possível imparcialidade (?) política, onde aplica seu discurso seco buscando um aporte documental que nos faça crer na caçada e em tudo que os atentados e a procura por Bin Laden sejam verossímeis. Ela consegue. 

As já tão citadas, elogiadas, mal faladas e diversamente interpretadas cenas de tortura produzem um efeito de catalisador circunstancial do apelo ianque a caçada ao Bin Laden, justificando seu modus operandi onde fins justificam meios, e o mais impressionante: Bigelow consegue isso de uma maneira demonstrar que este pensamento político americano é real e defendido por muitos, e a diretora posiciona-se na crença de que tais ideologias existem e são utilizadas e o seu discurso é nos deixar escolher que lado ficar ou simplesmente não escolher nenhum, manter-nos apenas com o choque provocado pela tortura, e também por atentados. Deixar-nos na dubiedade é uma pretensão da diretora. A tortura é execrável? Sim. Os atentados o são também? Sim. Mas as motivações dos personagens são inteligíveis? Compreendemos suas atitudes? A diretora propõe o debate, a discussão. Execrando atos de violência de quaisquer lados que eles venham. Não propõe um antiamericanismo ou antiterrorismo, mas uma antiviolência. A busca acerca de uma possível imparcialidade da diretora que citei no parágrafo anterior é exatamente uma forma discursiva política antiguerra.

Quanto às cenas propriamente ditas: excelentes. Detalhadas e longas causando ânsia de vômito em alguns de estômago mais fraco talvez, não pela violência física, mas pela humilhação simbólica onde o provável participante da Al-Qaeda é tratado e demonstrado como menor que um ser humano a ele mesmo. Elementos utilizados para a concatenação de uma provável confissão, aparentemente de maneira fria e distante por parte dos torturadores (o que teria de ser óbvio, que torturador teria credibilidade se na hora do pau ficasse com pena?), porém, em Maya (Jessica Chastain), e mesmo o próprio torturador inicial Dan (Jason Clarke) fora do contexto da sala de tortura, mostram um crescente desagrado (A busca de Maya através dos interrogatórios é entremeada por relances de pavor interno, porém uma batalha por ela creditada como justificável) com o que fazem, mas acreditam que aquilo é necessário por estarem já tão motivados por todo um sentimentalismo americano que viera pós 11 de setembro, que lhes causa uma busca frenética pela verdade (que lhes convém) independente das consequências de suas ações a seus exteriores sociais e interiores políticos. Uma qualidade notada no longa seria mostrar o fato de que Dan, após todos o processo de tortura que liderara, simplesmente é colocado voltando aos EUA para compor um serviço burocrático na CIA. Isto denota uma assimilação da tortura em algumas operações secretas da inteligência. E que terminado o trabalho volte pra casa meu jovem e tenha outro dia feliz.

O foco intrínseco na investigação produz um teor claustrofóbico na narrativa que possibilita-nos processar informações de elementos de fora sem termos o total conhecimento dos porquês dos atentados na Arábia Saudita e Inglaterra por exemplo. O filme não nos dá explanações didáticas acerca disso, deixa apenas no ar a tensão diante da presença de americanos em territórios do Oriente Médio (que ocasiona uma espécie de guerra étnica em países que já sofrem com demasiados conflitos com seus vizinhos, o que somente aumenta o clima de desconforto para estes territórios), onde nos é mostrado os atentados como consequências desta própria presença norte-americana nos tratando como conhecedores do contexto político geral desta invasão político-cultural ianque. 

O roteiro de Mark Boal procura sempre uma busca tenaz à veracidade e não um compêndio de cenas ação remendadas com diálogos. O impacto dos atentados são ressentidos e encarados no filme como acontecimentos verossímeis diante de uma determinada, e perigosa, realidade onde os atos extremos são concatenados em quaisquer lados que forem buscando um objetivo de maior importância que o método utilizado venha a ser considerado negativamente. A direção destas cenas impressiona pelo realismo empregado por Bigelow que nas construções dos planos busca nos manter dentro dos ambientes e inseridos nos conflitos. Uma fotografia estupenda somada a montagem recorrem ao incisivo realismo que já citei causando certo desconforto no espectador por esse real, isso se deve, muito em parte, pelo trabalho sonoro, por mim considerado o melhor de uns anos pra cá. Poucas vezes vi um trabalho assim que me colocasse tão interligado às tensões enfrentadas nos tais atentados. A excelente trilha sonora de Alexandre Desplat (Árvore da Vida) contribui de maneira coesa e discreta no decorrer de quase todo o filme excetuando-se em algumas cenas finais onde se mostra totalmente encaixada e assustadora. 

O elenco faz bem o seu papel com destaque para Jason Clarke e principalmente na construção de Maya por

Jessica Chastain, que molda todos os elementos entre forças e fraquezas da personagem nos dando uma personagem forte e memorável que tinha de carregar-se praticamente o filme inteiro para o grande exercício final de direção de Bigelow na caçada e morte propriamente dita de Bin Laden. Elementos como a não valorização de uma mulher nesse trabalho é enaltecido na fúria de Maya que luta pela caçada apesar de certo descrédito de seus superiores. 


A caçada final. Provavelmente uma cena culpada pela minha própria opinião de um filme com o melhor trabalho de direção do ano nos mostra como se dera a caçada final dos Seals (fuzileiros navais de elite americanos) ao Osama Bin Laden engendrada sempre pela CIA. A cena inicia-se no avanço secreto dos helicópteros por montanhas paquistanesas onde somos agraciados pela estupenda utilização musical com a faixa "Flight To Compound" que traz um clima absurdamente tenso a que caçada do homem mais procurado do planeta mereceria, desde o receio constante dos soldados à fotografia espetacular tirando proveito máximo do cenário. Ao chegar a casa onde Bin Laden estaria somos colocados a nos adentrar através da visão dos soldados, seja normalmente ou por uma visão infravermelha. A montagem se coloca de maneira impecável, juntamente com a estupenda edição de som, moldando as mais diversas tensões na caçada. Uma espécie de invasão, por vezes, em primeira pessoa, que proporciona um adentramento profundo no espírito diegético proposto pelo longa. Até a morte de Bin Laden. 

Ok ele morreu. E daí? Missão cumprida América. E? A pergunta se impõe, o homem foi caçado, subjugado e morto (inteligentemente não tratado como mártir), porém o resultado ideológico imperialista obtido pelos EUA não fora o esperado. E é a isso que a obra se atém. Valeu a pena gastar milhões, matar alguns e torturar tantos outros numa queda de braço com um grupo fanático? Não como uma resposta, mas como uma consequência o filme se despede com Maya cumprindo seu dever e voltando a seu país de origem. Um país estranho que receberá uma pretensa heroína (?) que já começa a se mostrar alquebrada de tanta dedicação e esforço por uma condição política duvidosa finalmente até para a mesma.

Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Lobo de Wall Street 2013


A ascensão e queda de Jordan Belfort, corretor de valores que ficara conhecido como Lobo por devorar altíssimos valores imobiliários e persuadir crescimentos estapafúrdios fora-da-lei engrupindo os mais diversos clientes. 


Fazia tempo que eu não via este Scorsese, mais em forma do que nunca, cara de pau, escroto, atirando a todos os lados lembrando-me a loucura crítica de John Carpenter em Fuga de Los Angeles - logicamente respeitando o estilo de ambos para esta citação/comparação, feita aqui por mim pelo radicalismo empregado por ambos em suas críticas ao establishment político do capital americano no American Way of Life.

Muitos lembraram de Os Bons companheiros (1990) e Cassino (1995) do próprio Scorsese neste LOBO, porém tenho uma teoria simples e clara acerca disso... Para esfaquear o capitalismo, entre seus pormenores idiossincráticos nas bolsas de valores a decupagem geral fornecida por Scorsese fora similar a mesma utilizada no fazer de seus filmes de gangsters por assim dizer, como se o diretor tratasse os corretores como uma rede mafiosa assim como tratara nos filmes anteriormente citados. Isso fica bem claro, a meu ver, pela estrutura crescimento/ascensão total/queda/julgamento/ressaca imposta no LOBO que está presente em Os Bons Companheiros e Cassino. Isso já beira uma piada metalinguística intrínseca na própria filmografia dele. Outro ponto em comum é diversidade narrativa no personagem de Belfort onde a quebra da quarta parede serve como maior força narrativa sempre com mordacidade e cinismo (o que acontecia em Os Bons Companheiros com Ray Liotta, porém de maneira mais comedida). Porém aqui ele atinge níveis superiormente radicais, onde a corrupção perambula em tudo, e tudo é comprável (ou quase tudo, onde a desilusão do agente do FBI voltando de metrô pra casa e praticando trabalho honesto é genial). 

A ideia aqui é o avacalho total, por vezes exagerado demais (entretanto um exagero de uma realidade possível sim), mas o filme busca o exagero a farra, a pura esculhambação... A martelada infame e escrota da cabeça do espectador. Manda um recado ao capitalismo selvagem, que nem seria arranhado por um filme assim, lógico caramba, o mesmo com estruturas já há muito fomentadas somente um filme não deceparia sua cabeça. Porém genialmente sem tomar partido de forma clara. Por vezes ficamos absortos com o estilo de vida extravagante de Belfort e quase queremos o seu poder. Aqui está a inteligência de Scorsese onde mostra-nos como uma vida como esta é chamativa e atraente, levando tudo na putaria, da corrupção, nos usos mais estapafúrdios de drogas ainda mais estapafúrdias (a repetição da palavra se tornou necessária para a compreensão da loucura assustadora que é empregada por Scorsese, repetição eterna de uma esculhambação insana em cima da outra).

Roteiro excelente que consegue manter um texto detalhadíssimo e divertido, nunca tendo uma queda pelas diferentes mudanças dentro do longa. Uma densa e áspera narrativa das mais diversas insanidades muito bem descritas, aproveitando-se do melhor do que fora mais catártico e ácido na biografia de Belfort. Sempre buscando mostrá-lo como humano e traiçoeiro, disposto a tudo nem que seja por uma mísera cheirada de pó.

A personificação de DiCaprio é um primor, onde aqui o seu overaccting exagerado se encaixa de maneira sublime a proposta do longa, onde ele compõe a melhor atuação de sua vida, desde a suposta seriedade com seus clientes às suas viagens no mundo das drogas com direito a baba na boca, paralisia cerebral e ressuscitamento com cocaína ao som da trilha sonora do espinafre do Popeye, rasgado e com muito humor. Isto porto pra não me ater demais, mas lembrar do ótimo trabalho do resto do elenco onde Matthew McConaughey e Jean Dujardin arrebentam. 

Como sempre, tecnicamente irrepreensível. Com uma edição, como não poderia deixar de ser diante de sua proposta, frenética e recortada, multiplicando a confusão visual e, não-paradoxalmente, deixando clara sua intenção de exposição daquele multifacetado universo. Fotografia colorida e delirante que diverte visualisando muito bem desde sexualidade excessiva e uso abusivo de drogas aos aspectos vis e detalhados de uma bolsas de valores. Trilha sonora, novamente, excelente onde aqui confirmamos a certeza de que apenas um punhado de diretores americanos sabem usar músicas não originais e encaixá-las em seus filmes como Scorsese consegue. 

A demonstração do desapego a qualquer questão ética e moral é bastante clara e Scorsese aponta isso desde o início. São exatamente estas execráveis criatura que comandam grande parte da economia americana. Que através de especulação absurda por cima de especulação absurda crises financeiras, como a de 2008, vieram a ocorrer. E as consequências por sobre muitos destes criminosos fora qual? Prisão para alguns? Sim. Porém a manutenção de sua riqueza ou novas oportunidades na mesma área, em muitos casos, era tida como certa. Tudo da certo numa boa, o sistema governamental americano acabaria por bancar as despesas tirando verbas de outros pontos estratégicos (não o bélico eu creio) para suprir a bolha deixada pelas grandes especulações. Manutenção da esculhambação. É um bom mote.

Um filme corajoso de um cara que não tem mais nada a provar pra ninguém e manda um belo dane-se a muitos de seus detratores e outros tantos grupos político-econômicos e pratica uma das melhores obras de sua amplamente respeitável carreira. Onde expõe que mesmo um escroto que se entupiu de dinheiro, fama, drogas e todas as putarias proibidas possíveis tem seu direito (senão um dever) a um recomeço na terra das oportunidades.

Nota 9,5

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

sábado, 15 de março de 2014

Tron O Legado 2010

Continuação de filme cult-obscuro da disney de 1982 ( Tron - Uma Odisséia eletrônica ) TRON - O Legado trata de contar a história de um filho em busca do pai preso em um jogo, numa dimensão cibernética. 

Este filme, ao contrario dos que assistiram este e não o anterior, mostra como Kenvin Flynn( Bridges ) ficara preso em uma dimensão digital, conhecida como A Grade. Ao que consta após os eventos do primeiro longa Flynn acredita que pode mudar a humanidade com suas descobertas acerca da tecnologia e sua ligação com o ser humano através dos programas. Ao tentar entrar de novo no jogo Flynn acaba aprisionado por 25 anos. O filho, Sam Flynn, após descobrir um porão de controle de onde o pai havia entrado no jogo, acaba por ser aprisionado também, e então ao adentrar na Grade começa a busca por seu pai.

O roteiro trata de temas como cibernética empírica, numa experiência do ser humano entre programas criados por ele. Tema abordado de maneiras diversas como 2001, Exterminador do Futuro e Matrix, o que se assemelha mais um pouco a este último no que tange a uma viagem intríseca à alguma outra dimensão, logicamente, sem a filosofia envolvida na obra de 1999. 

O que percebi em TRON foram certos elementos colocados de forma sutil, como a divinização de um ser devido a crença de alguns ( como aqui fora as religiões fazem tanto esforço para tal ), e como um programa feito em busca da perfeição pode conter sempre falhas acopladas nele, para exemplificar cito a o programa TRON que acabara por lutar pelos usuários, como fizera anteriormente, ao invés de prosseguir com sua caça aos mesmos, como deveria ter sido reprogramado por CLU, talvez. Outro tema abordado fôra a condição de criador e criatura, que põe Flynn com o poder de destruir CLU e a existência do universo paralelo em si, mas Flynn não consegue por esperança que algo saia daquelas fronteiras com o intuito de causar um aprendizado nos humanos em termos tecnológicos e também por simplesmente o criador ter orgulho do que fizera mesmo após todas as vicissitudes encontradas.

Tempos depois resolvo por um ponto tão claro que me passara despercebido ao escrever esta crítica. Burrice com leseira ou é tão claro que deixei pra por depois? A problemática da relação entre pai e filho que desde o início mostra-se tangível e verossímil. Onde Flynn busca a salvação de seu mundo externo mesmo com seu filho preso com ele mas não resiste ao fato de vê-lo preso em perigo. Com a paternidade precípua como força e tendo seu filho como legado e criação, defende-o diante de qualquer vicissitude. Até mesmo ao final sacrificando-se para o bem de seu filho e de uma merecida transformação cultural, religiosa, tecnológica ( e tantas outras) fora do cyberspace.

O visual de TRON - O Legado fôra o carro-chefe divulgação do filme. E é inevitável não falar de tal aspecto num que filme molda-se quase que completamente através deste atributo. O diretor e os produtores foram espertos ( e repetitivos ) ao enxergar que o visual seria o principal elemento do longa, obviamente isso já era previsível, mas o tema foi tratado com cuidado suficiente. Este visual, em si, mostra-se maravilhoso, desde os planos muito bem trabalhados ligados a uma excelente montagem, e visualizados a uma magnífica fotografia, monocromática, adequando-se perfeitamente ao clima desejado. Aliados a efeitos especiais incríveis que produzem cenas que proporcionam momentos memoráveis, como a corrida de motos e a perseguição final. A criação digital de CLU ( um Jeff Bridges de 35 anos ), ficara satisfatória, e sim, beneficamente artificial, diferenciando mais ainda, além de psicologimente, CLU de Flynn. Alguns cenários devem ser citados favoravelmente ( Nem tudo era totalmente digital), como o apartamento de Flynn e a Boate de Zuse. O figurino, assim como no filme anterior, aliado à maquiagem, são boas atrações ao filme que moldam de forma até rebuscada alguns personagens da trama.

A direção a cargo de Joseph Kosinski, um diretor de clipes que prima pelo aparato visual, foi uma decisão acertada, visto que ele não tirara o brilho do filme e manteve um clima por vezes frio na narrativa e nos personagens, o que considero positivo em sua maioria. Ora, os programas se mostram com alguns sentimentos, mas embrionários como se percebe, visto que foram criados pelos usuários e tratados como um avatar de cada em certos momentos. Isso climatizara o longa de forma fria. 

O que me impressionou tanto quanto o visual foi a trilha sonora composta pelo Daft Punk. Pouca vezes pude contemplar uma trilha tão densa e tão encaixada com a obra em questão. Cito a nível deste encaixe semelhante Matrix, novamente, e Blade Runner, que possuem tambem trilhas sonoras maravilhosamente bem encorpadas, por coincidência ou não os 3 filmes possuem elementos mais eletronicos em suas trilhas.

O trabalho dos atores se mostra coeso e sem contra-indicações desde a atuação dupla do sempre bom Jeff Bridges à interessante e esquizofrênica performance de Michael Sheen, que se diverte como Zuse, persona que relembra algumas facetas de David Bowie.

Primando mais pelo visual do que pela história, que também causa interesse, TRON mostra-se como uma imersão visual cinematográfica impecável de alta qualidade com imagem e som se adequando perfeitamente e não tratando o espectador como um idiota, como tantas outras obras do mainstream americano e mundial nos fazem parecer.

Nota 7

Por Ted Rafael Araujo Nogueira