Postagem em destaque

1964: O Brasil Entre Armas e Livros (2019)

Documentário revisionista que busca impor uma narrativa histórica própria que deslegitime a vasta bibliografia sobre o tema, consid...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) 2014


Birdman e/ou A não-surpreendente masturbação retórica oportunista farrística-academicista.



Por Ted Rafael Araujo Nogueira. Nota 8



         Alejandro González Iñárritu explicita bem suas intenções desde o começo da obra. Decodificar um dos grandes problemas, um dos quais ele acredita e acusa, no cinema americano contemporâneo: a falta de alma. Uma porra. Uma ironia do caralho de uma crônica teatral lambe lambe? Por assim dizer... Não existe "alma" e vontade de fazer cinema no mainstream? Desde quando ganhar grana também não te força a fazer arte? Que diabos de alma é essa? Vamos deixar a frescura de lado, o bagaço vale a pena. 

         Não existe nenhuma espécie de oportunismo neste momentum? Na concatenação e lançamento oportuno que houvesse uma preferência para uma obra desta envergadura açambarcada com esta temática? Ou somente é pura coincidência a hipocrisia da academia em escrachar os filmes de super-heróis e o Birdman ser o porta voz disto tudo através do sarro (em excelente forma por sinal)? 

      Espertamente cerca-se de uma variedade de artífices preponderantes e partícipes do cinema comercial americano, alguns premiados pela própria academia e outros tantos vindos de blockbusters a não menos que um ano. Como se tudo isso fosse um vômito do que há de mais podre no cinema comercial e este filme seria um grito de vômito engasgado de grande parte deles. Um grito de liberdade... Aí dentro. O filme funciona como um grande sarro ao cinema indústria, mesmo que este tenha criado e financiado não somente grande parte do apuro tecnológico usado em Birdman, mas bancado outros tantos filmes "contemporâneos" Cult-bacaninhas dos não-caralhinhos voadores.

       Iñárritu é um oportunista pilantroso, que da sua zona de conforto, sabendo como a banda toca nos afazeres da academia, traz um material a tona capaz de chamar a atenção de forma crítica ao mainstream hollywoodiano. Por mais irônico que isso possa parecer, re-citarmos acerca das questões de financiamento. Mas ele aproveita a onda e aplica o seu material de forma competente, longe de ser uma nova criticidade escrota claro, mas confiante e constantemente divertida. Que torna-se o primordial de bom no longa, a diversão do sarro. A bagaceiragem exposta. Uma espécie de mea culpa fajuto? Não. Somente um abraço na farra farsesca que a academia escolhe politicamente de tempos em tempos e resolve abraçar pra enaltecer um tipo de cinema como simulacro de cosmopolitismo. Não engana a muitos, porém continua seus afazeres escrotos.

        A surfada nesta onda de presepadas nos brinda com uma putaria divertida nas mãos de figuras como Keaton bicho-grilo-avoante, Edward Norton (auto-interpretados que se diga de passagem) entre outros. Sempre cuspidores de avacalhos de obras similares das que participaram. Estes dois fizeram "Need for Speed" e "Incrível Hulk" só pra lembrar de alguns trabalhos. Isto significa um sarro divertido. A hipocrisia parte da academia e sua empáfia de querer ditar ritmos? Uma porra. Os filmes donos das salas de cinemas bancam a indústria. A academia só faz uma crítica a si no brinca. Simulacro galera. Iñárritu aproveita o embalo e empurra o pau.

Birdman fornece maracutaias.

       Tecnicamente malabarístico em seus planos-sequências difíceis compostos com uma estupenda fotografia de Emmanuel Lubezki, que traz a tonalidade certa pela profusão esculhambatória proposta além de fornecer a trucagem malaca nos cortes. Quebras na quarta parede como figurações estéticas acadêmicas, brincadeiras com o diegético e o não-diegético da trilha incidente minimalista. Nesta ainda temos a vagabundagem de um tema choroso na emoção na ludicidade final. Farra pura(?!). Estes malabarismos funcionam, ironicamente, como pontos de masturbação, tal qual como efeitos visuais de um filme de quadrinhos. Bagaceiragem. Iñárritu pilantroso mesmo. Oportunista sorridente. Ou uma inesperada percepção de uma obra farreabundística?

       Logicamente há espaço para a vertente da "verdadeira arte". Uma bosta este termo. Como se o cinema necessitasse de uma solução, como se estivesse em coma, ou no esquecimento, tal qual o Birdman. E esta solução viria de uma espécie de teatro incólume e icônico que personificasse o creme de la creme do que significa a constituição de uma obra de arte. Um local dos grandes artistas? Despidos de preconceitos e amarras... Não tem presepada e/ou mainstream no teatro? Só existe o cultuado contemporâneo realístico? Então os atores de hollywood nem pisariam lá né? Invocada esta percepção ser concatenada com atores da indústria. Aqui o filme funciona e cresce. Um misto de arrogância com sarcasmo. A figura crítica de teatro representando toda parcela de uma raça escrota não somente do teatro, mas de quaisquer artes que sejam, nos quais alguns destes cidadãos se imbuem dos crivos de apontamentos do que deve ser visto ou não. Aquela tendência a ser esquecida. Fodam-se. “Boyhood” é uma porcaria que deve ser vista e não deixa de ser arte. Mesmo sendo uma merda arrogante, pedante que trata o espectador como um imbecil desmembrado. Coisa que Birdman não compactua de forma contumaz como nesta jumentice.

A dialética esculhambatória de Iñárritu causa interesse.

       Este filme pautado por um processo auto-rotulado de cult-bacaninha-revolucionário acaba-se no apontamento das tonalidades propostas na obra teatral de Riggan e na proposição que sua vida de elocubrações sarcásticas e escolhas díspares (algumas tantas em função da transformação do figura em celebridade com na fuleragianesca trajetória de Keanton) com foco na sua localização strictu sensu metalinguístico. Toma-se bem como uma diversão baseada no sarro, não inovadora porém. Porra, John Waters já avacalha o cinemão americano desde os anos 70, John Carpenter desde os 80. Estes dois ainda produziram pérolas execradas pela alcunhada crítica especializada. Waters faria “Cecil B. Demented” em 2000, altamente criticado e Carpenter cometeria a obra-prima “Fuga de Los Angeles” de 1996 com uma farra com 60 milhões só por pura putaria. Isso pra não citar material tupiniquim dos nossos mateiros de florestas urbanas escrotas em “Bandido da Luz Vermelha” do Sganzerla e “Bang Bang” de Andrea Tonacci, onde os avacalhos destes últimos imbuem-se de um estraçalhamento além da questão narrativa com embasamentos políticos e estéticos radicais. Birdman é uma obra bacana que diverte. Revolucionária? Não, longe disso. Oportunista e esperta pra caralho. Arrogante e hipócrita por vezes, mas funciona no sarro. Tratar o filme como revolução crítica de um novo acordar é uma puta palhaçada, que não conseguira seu intento, caso tenha sido este, talvez por parte daquela academia não-farreabunda em suas premiações e na demagogia oscarizante. Nosso diretor nem reclamou e ainda soltou um comentário sobre imigrantes em seu discurso de posse da premiação (oscar) deste ano. O que sobra dessa onda de presepeiros do cinema moderno? Um filme curioso, divertido e malabarístico somente. 

       Ainda permanece é uma academia que gira, se retorce mas não sai do conservadorismo sepulcral, vivendo disfarces aqui e ali pra promulgar o seu tipo de cinema. Defende o seu rabo querendo arrombar outros. 

       Entre podridão e cheiro de cebola azeda fornece-se filme de mala. O pilantra que, quando jovem mancebo, joga a arma no jardim quando a polícia passa procurando, mas um malaca com grana, não é usuário de crack do pobre lascado, só vai na cocaína purinha do playboy. Possui grandes advogados, não é um perrapado. Um escroto com balas nos bolsos e amigos nas altas rodas das estirpes brancas não-transgressoras que o deixam dançar e saracotear sua fuleragem enquanto muitos acreditam que uma nova fase do cinema vem aí. Deixa o cara frescar. Viçar... A Disney e a Warner em reclamam. Os vampiros-fadas, os feiticeiros juvenis, os robôs gigantes e os heróis de colant colorido continuam sapateando nas verdinhas. Novamente Michael Bay só gargalha.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Magnífica 70 - 1ª Temporada



Por Ted Rafael Araujo Nogueira. Nota 9,0. 

A série tergiversa sobre o período militar e a questão da censura no cinema brasileiro e estrangeiro focando na produção cinematográfica da boca do lixo, onde concatenou-se boa parte da produção alcunhada marginal e pornochanchatesca paulista.

O enredo envereda no situacionismo de um censor de cinema Vicente (Marcos Winter) que acaba por se interessar por uma atriz de filme no qual ele censurou, atriz Dora Dumar (Simone Spoladore) esta que lembrara sua cunhada com a qual teve um quase coito pré-arranjo nupcial com a irmã desta última (aqui numa homenagem clara ao conto "o Anjo" de Nelson Rodrigues) que acabara por atrair Vicente tempos atrás. A partir desta premissa inicial Vicente adentra no universo cinematográfico marginal mantendo uma vida dupla como censor cultural e diretor/roteirista cinematográfico.

Não procuro aqui uma descrição inútil dos mais variados pormenores da excelente criação de Cláudio Torres, Renato Fagundes, Leandro Assis, Luiz Noronha, baseado em um roteiro de Toni Marques, mas sim uma análise dos discursos nos quais a obra busca contemplar.

De interessante premissa a obra desenrola-se como uma ode àquela forma de se fazer cinema dos anos 70, onde a produção cinematográfica brasileira vivia tempos espúrios devida a questão da censura à liberdade de expressão onde o controle censorial delimitava espaços de atuação, nos quais sobraram, e sobreviveram, em grande parte a pornochanchada. Esta que além de suas críticas escondidas ao regime ainda sofria com a questão moral de seus filmes, e onde um investimento baixo neste cinema também não permitia grandes arroubos técnicos. Por muitas vezes um cinema de guerrilha social e sexual. Somando-se a toda esta gama de dificuldades (sem o apoio governamental de produção, a não ser a propagandística pró-governo aqui e ali) há o domínio do cinema estrangeiro que se vendia mais barato por buscar um domínio cultural cinematográfico no país. Além dos problemas com a precariedade de várias salas de cinemas mais preocupadas com filmes legendados e despreocupando-se com a sonoridade o que seria mais um ponto prejudicial ao cinema brasileiro.

Estes são somente alguns pontos nos quais o cinema marginal com a pornochanchada tinha de combater para sobreviver. A série busca trazer estes elementos de dentro pra fora. Focando na produção marginal e quais atores agiam neste universo. Como agiam e o quanto eram escusos e mantinham um alto nível esculhambacional para a concatenação de sobrevivência que aquele universo exigia.

A série açambarca bem a questão das dificuldades de produção cinematográfica e as figuras que participavam daquilo tudo com uma narrativa coesa (um pouco recordatória por vezes, com alguns flashbacks explicativos, coisa na qual muitas séries sempre o fazem) onde sempre busca-se não deixar pontas soltas em um excelente trabalho de roteiro. O trabalho de direção denota-se de maneira interessantemente paradoxal ao período que retrata por focar em uma iluminação noir, por vezes monocromática que ilumina os personagens e os elucida de forma a enaltecê-los e sacralizá-los em um contraponto com o universo no qual estavam acostumados. Um fina ironia e um deleite elogioso aquele período escroto do nosso cinema. Sem comentar da excelente reconstituição de época e ótima trilha sonora (porém repetitiva).

Como exagero narrativo temos a culpabilidade vilanesca do general Souto, o que me parece um desespero da série em catapultar um antagonista militar além da já óbvia censura e do próprio regime. Uma tentativa de vilanear forçosa e demasiadamente o regime militar de forma desnecessária, já que o mosaico encontrado no período histórico retratado e narrado na obra já faz isto eficientemente. Até como analogia a culpabilidade do regime neste ponto pareceu forçosa, algo que concatenado no departamento de censura foi muito melhor empregado. Um erro estratégico que não desvanece a grande qualidade do todo.

A dubiedade perpetua-se no encontro das mentiras esculhambatórias (como é dito por Dora em certo momento para Vicente). Vicente conta a história de sua vida por desespero e despreparo por não saber o que contar e à medida que sua obra vai ficando cada vez mais interessante, a publicização disto tudo transmutará em seu inferno. Aqui são perceptíveis os sintomas apontados de um país em regime de controle cultural. O profano de uma verdade clamando pra ser contada e por outro lado busca-se silenciá-la. O silêncio, como o contrário do que se pensa, não fala, grita. Esgoela-se pra aparecer. O filme dentro da série é este exemplo, além da metalinguística, um câncer a ser estraçalhado.

Elenco escolhido a dedo transpõe a tridimensionalidade de alguns de seus personagens como no trio principal e em seus personagens secundários nos trazendo uma excelente química entre os escolhidos onde a visualização dos mesmos não poderia ser melhor. Escolher Marcos Winter como o personagem central foi de extrema felicidade. Uma figura esguia que dever-se-ia preconizar uma vida dupla cheia de situações escusas e mentiras e ter de deambular por todo este universo tal qual uma lagarta num filete de navalha (como diria o Coronel Kurtz em Apocalypse Now). Adriano Garib brilha com seu astuto Manolo Matos que conhecedor do universo escroto da boca do lixo faz tudo ao seu alcance para a existência da produtora magnifica cinematográfica sob quaisquer condições de produção. Um cara prático e escroto. Por fim a destacar Simone Spoladore como Dora numa personagem (uma pela outra) forte cheia de meandros que convive dentro e fora de si e tenta manter o foco também na deambulação e controle de todos a sua volta com seu charme e seu corpo para enganar os imbecis nos quais se metem com ela. A ninfeta de Nelson Rodrigues quando crescer.

Atentando aqui para o caráter leve se compararmos o impacto e a estética das produções originais, pretende-se como corajosa ao homenagear este difamado período de nossa arte.


Uma obra de alta e escrota qualidade que propõe homenagear o cinema marginal brasileiro e mostrar o quão somos ricos e lutadores. Acabar com esta merda colonizadora de que não somos bons contadores de histórias e que as nossas estão aquém de tantas outras estrangeiras. Lamento dizer colonizados, Magnífica 70 não fica nem um pouco atrás de um Breaking Bad ou um True Detective (mesmo levando em consideração toda a diferenciação estética, imagética, política e econômica, o que na verdade, caminha à nossa benesse comparativa), deixemos de babação e partamos pra assistir a nossa produção com a noção de nossa força como realizadores frente a tantos materiais que são reciclados por sobre nossas carcaças culturais pútridas. Perpetue-se, série, sobreviva pornochanchada, e mande todos se foderem cinema marginal.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Alien - O Oitavo Passageiro (1979)


De Ridley Scott

Por Ted Rafael Araujo Nogueira Nota 10,0

Investida do inglês Scott em material Sci-Fi que virara ícone de gerações e influenciaria tantos outros artistas nas mais diferenciadas searas. Fincou de vez o terror alienígena na ficção moderna não somente com o medo, mas com o assombro ideológico do fim de uma embriaguez pós-Vietnã. 

Aqui temos toda uma questão conjuntural metafórica interessante acerca do capitalismo neoliberal e seus benefícios e malefícios, e em como o ser humano reage diante do desespero antropomorfizado na criatura alienígena escrota. Scott (com usufruto do excelente roteiro de Dan O'Bannon e Ronald Shusett) adentra na ressaca que a new hollywood começava a ter numa mistura de sentimentos de não indulgência para com os malefícios da Guerra do Vietnã, e compõe uma atmosfera suja, asquerosa para que o babão alien possa se manifestar. 

Abertura para os governos Thatcher e Reagan (que chegaria ao posto em 81, Scott foca mais na analogia aos ingleses, mas incita as projeções) para Inglaterra e EUA respectivamente, na transformação do estado de bem estar social advindo de fins da segunda guerra que daria lugar e aconchego a neoliberalismo ianque/britânico. Situação bem transposta e exemplificada nas discussões dos personagens em relação às suas cotas e pagamentos a serem recebidos por suas labutas discutindo-se questões contratuais exploracionistas. Aqui o trabalhador inglês braçal sindicalista tão persona non grata na governança conservadora thatcherista (até como uma espécie de projeção também, Thatcher já era líder do partido conservador desde 1975, mas só se tornaria primeira-ministra em 1979) é exemplificado nas figuras de Parker e Brett, que buscam melhorias e consideram-se inferiores não somente pelo pagamento, mas pela hierarquia de trabalho que os coloca em condições de inferioridade de trabalho também. 

Essa problemática é tratada por Scott com sagacidade e ironia expondo as ineficiências hierárquicas de um grupo acerca de ordenanças superiores à nave que não compactuam com o bem do coletivo da tripulação, aliás, os dispensam muito claramente em um dado momento. A figura do androide só aceita sua condição por já ser programado para tal em sua composição. Este último representa a ironia cínica de alguns aspectos capitalistas negativos, que espirram o coletivo de um lado para o outro buscando promover justificativas de seus meios para seus fins, logicamente que Scott trata tudo com sarcasmo e um puta sarro quando Ash (em impressionante atuação de Ian Holm, que todas as suas nuances trazem nitidamente a sensação de que os verdadeiros impulsos motivacionais de tudo que os cercam ainda estão por vir) diz ter simpatia pela sobrevivência humana perante o monstro. A quebra dos ovos para um omelete escuso no futuro. 

A criação do ambiente, além de sujo, é evidenciada como claustrofóbico diminuído a cada instante diante da ameaça em constância. Tudo aquilo representando o desespero diante do desconhecido perigoso que não se entende trazendo a animalização instintiva humana à pauta. Enquanto a empresa Weyland-Yutani quer o estudo do alienígena como futura arma biológica, dispensa a tripulação da nave Nostromo. Nostromo esta aonde já existe com uma carga de crítica imperialista em sua nomenclatura e além. Nostromo (1904) é um romance de Joseph Conrad (Coração das Trevas) que se propõe a criticar ironicamente o imperialismo inglês (principalmente) no que tange aos seus assombros megalomaníacos seja na África ou na América, em respeito a isto em uma analogia não-anacrônica diante das sabidas mudanças em mais de 70 anos que separam as obras. Interessante notar que o próprio Conrad não conseguia enxergar algum movimento anti-imperialista como organizado pelo colonizado e sim por alguma maracutaia imperialista ou desorganização. A visão do outro de Conrad propunha o domínio ocidental sem contornos de defesa legítima para o colonizado, como apontara o crítico literário palestino Edward Said sobre a obra de Joseph Conrad. Nostromo seria o símbolo de um domínio que pouco se importara com o outro e que não acreditaria em revanches negativas por desconhecimento e por puro crédito em seu poder de seus estratagemas considerados superiores. Ridley Scott usa-se do Alien como mote de luta diante do imperialismo como uma figura ofensiva que pode ser usada para os próprios meios de domínio imperial. Aqui chegamos num ponto genial da abordagem scottiana neste alien. A utilização do perigoso desconhecido como arma contra os alcunhados conhecidos inferiorizados futuros. A captação de uma força criada pelo imperialismo como um castigo primal, uma ofensiva brutal diante dos descomunais esforços de crescimento imperialista. Scott aponta o Alien como um ser com um objetivo claro. O velho "não fode comigo porra", nos quais os mais variados países nos usos imperiais não conheciam grandes repulsas diante dos menores. Vietnã. O pipocar dos processos de independência na África prova esta situação.

O poder absurdo do não reconhecimento do outro volta para a tripulação onde a revolta dos mesmos se dá diante de sua situação quando os intentos de seus patronos são colocados à mesa. A incansável ironia de Scott é vista mediante os questionamentos dos trabalhadores explorados das grandes empresas e como as mesmas os colocam em determinadas situações munidos de partes de informação diante do fim maior que os meios usados. Por isso o contra-ataque do Alien é por implacabilidade não seletiva, a destruição do outro pela defesa própria diante de um ataque inicial sofrido, uma invasão de território. 

A constituição de todo este universo análogo e genial de Ridley propõe o debate acerca do que devemos conhecer do que nos cerca além da continuidade da mediocridade como lençol por sobre uma máquina escrota de dominação humana. Nada é perdido aqui, a hierarquia (já citada) militar farsesca como mero esquematismo forjado a incitar regras que, a posteriori, são descobertas como moribundas em seu nascimento. Tanto que é interessante explicitar a dialética sarcástica da personagem de Ellen Ripley. A figura sempre desconfiada de tudo, que debate acerca das cadeiras de comando, discute as regras, tem a representatividade do olhar diferenciado de uma figura análoga em uma questão de gênero onde, nos moldes paternalistas, não se adquiria a mulher nos meios políticos de maior controle imperialista. O irônico de tudo é que a governabilidade dos conterrâneos de Scott no período é de Margaret Thatcher, figura conhecida por seu trato duro com as camadas trabalhistas inglesas e grande apoiadora e participante do neoliberalismo que surgia. A representatividade irônica de Scott com Ripley é essa. Em paradoxo somos apresentados a seus aspectos instigantes e fortes onde sempre busca agir e liderar na resolução do todo. A primeira a reconhecer que a força Alien existe mediante um trunfo militar de seus contratantes. 

A escolha do artista plástico suíço H.R. Giger foi para além de sua capacidade absurda como um criador de figuras rebuscadas e assustadoras somente, mas sim pela característica visual sexual de sua obra. Visto em obras suas como Necronom IV de 1976 (que servira de base para Alien) é mostrado o aspecto claramente fálico da cabeça do alienígena, isto somado a sua boca interna de falicismo similar, características que vão de encontro a toda a questão do pulsar imperial pelo controle. A intenção aqui é a demonstração do interesse pelo poder do homem onde a empresa Weyland-Yutani compõe esforços para a aquisição deste ser. O ser como uma conquista e como uma forma de controle a ser alcançada.

O pequeno elenco põe em tela toda a diversificação ideológica proposta por Scott com o uso de arquétipos junguianos colocando-os em contornos sacanas, sarcásticos em relação à política trabalhista e expansionista principalmente da dupla EUA/Inglaterra. Cada um deles bem trabalhado, apesar do pouco espaço em tela de alguns. Desde o braçal escapista Brett (Harry Dean Stanton) ao chefe, inicialmente representante maior do empresariado, Tom Skeritt, todos fazem muito bem suas funções que são vitimadas pelo poder do outro por seguir suas condutas de trabalho e obediência. Onde a desobediência e a desconfiança de Ripley (a musa Sci-Fi Sigourney Weaver) a tornam díspare deste universo que soa como um aviso de Scott aos detratores dos vieses expansionistas. 

Para compor o todo planejado pela mente de Scott a parte técnica teria de ser detalhada e bem tratada. E como fora. Esplendorosa fotografia de Derek Vanlint que codifica o universo sujo e análogo proposto por seu diretor, onde a já contemplada claustrofobia é um mecanismo de exclusão física dos espaços adotada aqui e que o significado dos mesmos vão sendo alimentados pela violência crescente de seu personagem principal. Somada ao ótimo processo de edição de Terry Rawlings, moldando o desconhecido como um vulto inicial alavancando sua presença física nos limiares das existências dos tripulantes. A questão física tanto dos espaços quanto do alienígena aqui, são explicitados por mim propositalmente diante de como Scott molda seu universo, o combate entre os espaços, a dialética do fechado com o avantajar do considerado monstruoso, além dos laudeados e excelentes efeitos visuais. Um dos grandes trabalhos visuais já intencionados e criados no cinema em todos os tempos. Seguido a este processo está a direção de arte espetacular que cria um sem-número de artefatos que dialogam com toda a ideologia proposta, além de conterem a veracidade cênica absurda na verossimilhança daquele universo. E não esqueço da ótima trilha sonora de Jerry Goldsmith que perpassa diante do longa como uma composição colérica que narra a desconstrução de uma tripulação por uma força eficaz. Exalta bem demais o climão característico do sci-fi de terror.

O questionamento de tudo como o terror de uma existência. Ao término ainda temos a constatação de Scott perante a sobrevivência humana diante do diferente. A fragilidade da humana seminua diante do poder do controverso em sua fronte, a exposição das fraquezas, destituição do poderio ideológico, por mais poderosos que sejam seus recursos. O resistir humano impassível e instintivo com o abandono da identidade pela desinformação. O abandono físico no universo desconhecido. Filme do caralho. Putz.


quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014)



Construção do embate entre mestre e aprendiz pela obsessão pela perfeição como justificativa pelos métodos empregados. Grande dupla principal de atores com J.k. Simmons tomando conta de cena. direção e montagem inspirados. Ah sim, o jazz, putz o jazz...

Por TED RAFAEL ARAUJO NOGUEIRA.

NOTA 9,5

Whiplash. Fenomenal desde sua onomatopeia baterística. 

História à primeira vista simples e óbvia. Um rapaz quer crescer como baterista e seu professor é um carrasco e ao fim eles se entendem. Muito grosso modo essa definição é um resumo certeiro. O grande lance é o método por excelência na construção do todo e no trato com a dupla principal de atores. E o Jazz, ah o Jazz...

Eu acredito que a crítica cinematográfica faz-se mediante o apreço ou desapreço de elementos externos a obra trabalhada, esses nos quais o crítico já possua determinada paixão e fome, no meu caso com este longa, o Jazz. Conseguir compor um comentário coeso acerca do trato cinematográfico mesmo que o filme já tenha como mote o usufruto de algo tão elogiado por mim, simplesmente torna a tarefa ainda mais prazerosa e desafiadora mediante a justiça que possa atribuir ao filme. E o longa não decepciona e usa a magnitude do jazz para o combate análogo entre os egos e os limites humanos.

Tenho grande apreço pelo ritmo por tudo que ele representa socialmente como fomentação de liberdade de método analogamente a seu aspecto de início marginalizado, e posteriormente abrindo para a inclusão das mais variadas improvisações performáticas instrumentais escrotas já vistas nos cenários musicais onde os Standards jazzistas citados no longa puderam brilhar incansavelmente. Em nome as figuras Charlie "Bird" Parker no Sax e o monstro Buddy Rich na bateria. Estes dois e o historiador Eric Hobsbawm, com sua obra "História Social do Jazz", foram os responsáveis pela minha entrada no vício pelo Jazz, apesar de ainda me considerar um neófito no assunto.

Buddy Rick e Charlie Parker. Citações clássicas para o fã de Jazz e novidades interessantes para os que ainda não adquiriram oportunidades para escutar esses animais. Figuras como eles 2 metaforizam o jazz no seu âmago criativo, vertiginoso, exigente, virtuoso e escroto que este longa tenta concatenar na construção de um duelo entre mestre e aprendiz. A junção destes dois artistas clássicos do Jazz é transposta aqui metaforicamente, como já fora citado, em seus dois personagens principais nas condições de criação de uma ambiência que justifique o absurdo qualitativo da concatenação musical. 

Andrew Neyman, Miles Teller em excelente tour de force frente à bateria, existe como o principiante visando o profissionalismo em seu sonho no faça você mesmo do American Dream. Buscando o crescimento atrelado ao esforço absurdo sem recessões (bem como é mostrado como prova a frágil subtrama de seu relacionamento amoroso de fim ríspido) inspirando-se no já citado monstro Buddy Rich como fonte de uma energia que ele pretende que seja inesgotável. Que de inicial inocência mostra-se uma figura complexa que da mesma forma que não cria concessões em seu esforço físico e mental não poupa figuras ao seu redor diante de sua ambição. Ao contraponto do falso corretinho inicial Andrew Neyman está o irascível programador de artimanhas e escroto artista por natureza Terence Fletcher. Este propõe formar uma banda com o que há de melhor de um conservatório nova-iorquino e não poupa humilhações a seus alunos desde que estes componham suas frases musicais de acordo com a perfeição precisa necessária. Esta última figura colocada em tela por J.K. Simmons de maneira estarrecedora. De monstro torturador a maestro por excelência Simmons brilha em seu personagem de forma a usar muito bem todas as metáforas citadas clássicas de jazz, somando-se também a falta de concessões para busca do resultado impecável. Perfeição esta deixa Fletcher e Neyman como lados de uma mesma moeda. Diferentes por experiências e traços metodológicos, e similares em seus esforços.Ainda há espaço para outro debate enfático acerca da educação moldada mediante radicalismos dos mentores onde a conversa entre Neyman e Fletcher num bar corresponde corretamente à discussão. O filme busca explicitar estes pontos e mostrar até onde levam os radicalismos. A questão do sonho absurdo é ressaltada. Fletcher não justifica seus métodos pela busca do seu Charlie Parker e Neyman acaba por moldar-se em parte por estes ensinamentos. Como esses sonhos são justificáveis? Aqui a busca pelo sonho suplantaria quaisquer que fossem os exageros dos métodos. O resultado sendo acima do alto teor de satisfação, que se dane o resto.

A todo momento vemos a sombra do jazz ao redor das figuras em todas as formas possíveis desde o âmbito claro musical propriamente dito até o convívio social marcado pela problemática das relações e preocupações quase que unívocas pela relação profissional, tornando os 2 principais em figuras deslocadas socialmente e absurdamente potencializadas em suas esferas específicas quando se trata de instrumentalização musical. As citações de Charlie Parker só trazem isso a tona de maneira mais clara. Há uma pequena biografia dele dentro do filme que serve de mote para a composição dos personagens. Parker fora um saxofonista extraordinário que chocara o universo jazzístico com sua absurda qualidade de improvisos esplendorosos assim como seu apetite pelo submundo das drogas pesadas e seu convívio social limitado e sofrível. Assim as claras relações entre Parker, Fletcher e Neyman mostram como o Jazz é enlouquecedor, arrogante, embriagante e espetacularmente absoluto em sua existência. Provoca ambiguamente os animais escrotos de nossas entranhas a saírem, e o que sai deles? O antológico final de Whiplash.

Baseado em um curta premiado e transformado em longa, Whiplash brilha na direção de Damien Chazelle em seu segundo longa-metragem, onde além de usar o curta como base faz também o uso de situações vividas por ele, que fora estudante de bateria. Damien propõe o embate de seus dois personagens principais como transposição da busca pela transcendência dos limites humanos. A perfeição. E como este sonho perpassa pela dor e pela trajetória arrogante e egoísta da busca incessante. Mesmo com uma história simples, clássica e repetitiva (no escopo geral e em alguns lugares comuns específicos) a forma como a mesma fora contada demonstra a perspicácia de Damien em construir uma diegese de alta intensidade. Com o uso das inúmeras metáforas que viessem a demonstrar toda a construção do embate central e de como o mesmo aproxima os opostos ao tempo, desmistifica a distância inicial de Fletcher e Neyman mostrando que suas buscas caminham apenas por modos diferentes onde o preço alto a pagar é pelo mesmo objetivo.

O brilhantismo da equipe torna tudo estimulante como na excelente fotografia (Sharone Meir) que compõe com sua paleta amarelada uma iluminação impecável e, por vezes, enclausurante de um estúdio como se fosse ao mesmo tempo uma armadilha pela tão falada busca, assim como um novo passo rumo ao sucesso dos intentos pessoais. A montagem assustadora também merece um puta destaque. Porra que união de planos de forma impecável por parte de Tom Cross, que perpetua de forma extraordinária o universo que a fotografia já propunha. Os planos nas sequências musicais são simplesmente fantásticos, dando toda a intensidade violenta que o Jazz necessita, a estruturação do ritmo diante da força de sua criação é pautada aqui a nível de excelência onde a montagem quebrada se justifica perfeitamente na constituição ideológica do filme nas tensões provocadas. Personificação do Jazz caramba. Isso notando o trabalho sonoro sobrenaturalmente eficiente para unificar elementos tão específicos de um ritmo complexo como é o Jazz. A bateria como um elemento personificador da obssessão, sonorizado extraordinariamente. Direção de arte também deve ser citada, que com a fotografia criaria o ambiente perfeito para os combates propostos. 

Trilha sonora. Essa merece um destaque ímpar no excelente trabalho de figuras como Justin Hurwitz no aporte geral nas músicas originais e Hank Levy na excelente música título. Com insigths rápidos relacionados à Buddy Rich pra aquecer o inferno. Tudo muito bem composto e bem utilizado formando o universo denso ser enaltecido pela qualidade nivelada nas nuvens do que se busca. Porém o grande destaque fica para a adaptação de John Wasson pra obra clássica Caravan de Juan Tizol e do inigualável Duke Ellington, onde ainda há um espaço para um grande solo de bateria evocando o mestre Buddy Rich em toda sua categorização extrema e de seus improvisos por cima dos próprios solos trazendo a tona materiais como a música "West Side Story" de Rich, assim tonificando aqui o Jazz como ritmo obsessivamente incontrolável. Porrada pura. Caravan então ficaria sendo a principal música usada no filme que na alucinógena cena final resume toda a trajetória de seus personagens de tudo que já fora discutido aqui em termos de ideologias obsessivas. Onde é o discernimento final entre os 2 escrotos loucos do Jazz nos olhares finais entre Neyman e Fletcher denotam o "CARALHO, ESSE É O SOM PORRA" que ambos estavam buscando. A perfeição foi alcançada? A busca continua? Sim? Foda-se? O Jazz vive.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Mestres Loucos



Documentário etnográfico pancada onde Jean Rouch expõe o entrechoque sociocultural e político escroto do imperialismo inglês com o continente africano na figuração de um ritual como simbolismo à violência capitalista estrangeira.

Dirigido por Jean Rouch 
Nota 10

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Jean Rouch. Grande diretor inovador de documentários etnográficos via antropologia, que buscava uma nova visão e distinção do outro a ser filmado. Aqui em uma de suas melhores e mais chocantes obras.

O trato acerca das relações dialéticas entre dominadores e dominados através do viés cinematográfico. Mestres Loucos. Rouch compôs-se como um dos criadores do cinema etnográfico buscando uma perspectiva sociocultural que fosse voltada para entrechoque cultural do cinema para com as classes populares. Estas filmadas por ele em uma disposição entre o homem e seu meio social, diante de suas elucubrações imagéticas acerca da vivência dos povos africanos sob o jugo imperialista. Neste caso o Imperialismo Inglês na Costa do Ouro (renomeada como República do Gana em sua independência em 1957). 

Um ritual. Seita dos Haoukas. Onde são expostos, inicialmente, os conflitos entre os jovens quando aportam na cidade de Acra (principal cidade da Costa do Ouro) e diante do reflexo violento que o imperialismo causara nessa civilização, os cidadãos são expostos por Rouch em seus afazeres do dia-a-dia. Acra pode ser considerada como um microcosmo da exploração existente na Costa do Ouro no período dos anos 50 onde a representação das criaturas humanas são compostas por trabalhadores explorados nas mais diversas funções dos labores da cidade.

Somos conduzidos para fora da cidade onde será expresso o ritual proposto. Rouch já expõe seu modus operandi analítico aqui explicitando aspectos de intenção do ritual nos mostrando algumas influências visuais imperiais inglesas, como a figura, em forma de um boneco, do “Governador”, figura representativa do controle de Acra. 

O castigo aos pecadores é proposto para que se tenha uma purificação ritualística, que logo após começar-se-iam os transes corporais de vários componentes dos Haoukas em figuras análogas do imperialismo britânico (figuras primordialmente do fim do século XIX). Aqui já somos contemplados pelo aspecto extremamente hierárquico militar do imperialismo onde peças como “Governador”, “General”, “Tenente” são algumas das quais reagem e regem o ritual de forma a respeitar plenamente a hierarquia de suas posições. Uma encenação da ordem colonialista é explicitada aqui. Uma espécie de absorção cultural é vista como um confronto dialético diante da questão das vivências dos Haoukas em Acra. 

Fica clara a crítica de Rouch quando ele expõe um trecho de um desfile britânico comparando-o com o ritual Haouka e como os mesmos se assimilam em seus devaneios por controle de estado e situação. 

A dominação cultural/política/econômica/social é posta em claras vias aqui exatamente neste transe onde se enxerga o adentrar de uma determinada cultura pela força em outra. Ao invadir e buscar controlá-la, a afetará nos mais diversificados aspectos. Mesmo em rituais tribais mas específicos, onde visar-se-iam transpor tradições concatenadas, em nível subconsciente dos afetados, por partícipes oriundos da exploração inglesa. Podendo afetar, assim, a força de uma questão identitária. 

Rouch e sua câmera na mão. O ideário que o Cinema Novo brasileiro tanto defendia, e este cara já manjava dessas putarias (que realmente serviram de referência à vertente nacional). O autor usa sua câmera incessante e poderosa (curioso saber que Rouch creditava ser mais fácil filmar em cores por se achar um péssimo fotógrafo para o preto e branco e por buscar mais praticidade) para ironizar as questões dos anseios à trivialidades do aporte dominante inglês onde identifica alguns motes dentro do ritual. Como uma reunião a respeito da limpeza de um palácio, onde há discussões sobre como está o palácio e quem será punido por ele estar com algum problema. Aqui numa clara alusão às questões dos devaneios nas intrigas administrativas palacianas de cunho imperial. 

O radicalismo de Rouch ao filmar o sacrifício do cão é salutar. A uma certa altura o ritual pede um sacrifício com vias a se fortalecer os Haoukas na conjuntura do deleite de se comer um cão, que por ser proibitivo e, assim, sendo tabu representaria a tais comedores maior força para os Haoukas. Esta representação dialoga com a constituição análoga do controle imperialista no que tange ao imperativo no relacionar hierárquico novamente. Acerca do sacrifício animal, partes corporais do mesmo são escolhidas para alguns membros de maior poder enquanto um dos participantes questiona que o animal deve ser repartido com quem não presenciou o momento. Sempre visando a questão do usufruto das questões de cúpula de controle. 

A questão hierárquica como crítica de Rouch aqui como o cerne principal, realmente da obra sempre identificado no transcrever cultural no aprofundamento das relações.

Ao fim do ritual é demonstrada sua veemência crítica no direcionamento comparativo das figuras sociais com seus respectivos personagens de transe. Onde o personagem “General” é representado no ritual por um policial de Acra, aqui numa alusão, as já referendadas aqui, situações análogas do ritual com as formas de dominação estrangeira. Uma questão de influências e trocas dentro e fora do transe de maneira subconsciente. 

Assim é proposto que não existam ainda “remédios” que componham uma forma de pôr estas pessoas em sociedade sem explorá-las. Onde viesse a existir uma justa associação em sociedade. Coisa que até hoje os ranços dos conservadorismos reacionários atrelados ao crescimento do capitalismo desenfreado não deixam enxergar, ou minimamente nem visam buscar entender as necessidades e os anseios do outro. Botou pra foder Jean Rouch.

Boyhood (2014)



Propaganda pura. Somente. Um grande embuste moldado por uma pintura bacaninha. Simulacro de isenção das banalidades da vida como desculpa numa composição extremamente estereotipada. Grandiosidade do trivial? Cinema rotular, raso e superficial isso sim.

Dirigido por Richard Linklater
Nota 4

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Pela terceira vez contemplo o cinema de Linklater. A trilogia romântica dele desconheço, assisti e me diverti bastante com “Escola de Rock” (2003) e achei “Homem Duplo” (2006) interessante e intrigante, que agora estão parecendo mais pontos fora da curva diante do que se vê (isto a meu ver, pelo pouco que conheço do diretor, mas, principalmente pelo que é comentado de alguns de seus filmes envolvendo a passagem dos acontecimentos) diante dos experimentalismos com temporalidades propostos pelo diretor. Então chegamos a Boyhood. Filme que visa descortinar toda uma gama de situações vividas por uma família de classe média americana. Suas desilusões, seus acertos e erros, isto tudo partindo do viés e da visão de um garoto, onde tudo percorre pelos já tão falados 12 anos de processo filmado, que Linklater ambiciona transportar esta convivência familiar através de uma passagem pelos anos, considerados difíceis por alguns: da infância à juventude, como é dito no título. Os mais problemáticos (será?), onde o aprendizado de tudo a sua volta vai se transformando e moldando sua personalidade de forma atroz ou não.

O resultado de todo este processo ambicioso? Uma puta besteirada. Um embuste sem tamanho. Linklater usa dos mais variados artifícios vagos pra amenizar tudo o que propõe, desde a trilha sonora espertinha (muito boa em determinadas partes até) aos dramas forçados e chorosos da mãe, por exemplo. Ah mas alguns dirão que "a vida é um clichê", isto seria nada mais nada menos que uma desculpa esfarrapada como um simulacro de isenção para um roteiro extremamente rasteiro que resvala no óbvio sempre e usa isso como desculpa de que a vida é cheia de banalidades. Neste filme, diante da família que vemos, eu concordo que a vida é cheia de frivolidades e muitas, mas muitas frescuras mesmo.

Não estou nem entrando na seara de que minha experiência no mesmo período fora diferente. Faz parte isso na minha crítica? Sim. É difícil um distanciamento quando se faz uma crítica sobre um filme, qualquer um que se diga de passagem, ainda mais um que aborda majoritariamente o crescimento de um jovem, período que ainda me é próximo. Como a maioria que comentara sobre o filme neste e em outros sites, o filme nos faz compor algumas comparações sim, porém isso só me ajudou a vê-lo como uma bobagem superficial que aborda probleminhas da classe média americana chorosa e necessitada de atenção. Não é somente uma questão de diferenciação pessoal não, longe disso, o filme peca por problemas narrativos pesados pondo todo o tour de force na força da expressão do processo usado. Somente. A forçada de barra pra juntar tudo isso e angariar seu público chegar a ser descarada e risível. 

Classe média americana. Esta mostrada da forma mais genérica, imbecil e superficial possível. Porra se fosse uma crítica da parte de Linklater acerca das obviedades frívolas (conjuntura redundante proposital minha) nas quais a classe média dá tão idiota importância ás mais variadas coisas inúteis, tudo poderia ser mais interessante ao menos. Não escapa nem a repetição medíocre da comemoração do fim do ensino médio e a entrada na faculdade, isso sem que esqueçamos o choro da mamãe porque seus filhinhos vão pra faculdade. Porra tinha uma coisinha mais original não? Mas não. Aqui vejo uma ode a futilidade, as ditas dificuldades absurdas pelas quais a classe média no auge da pseudo-credibilidade auto-importante perpassa e transporta. Haja paciência (paciência mesmo já que são quase 3 horas desse besteirol choroso). Se a ideia de Linklater foi deixar o espectador entediado com uma vida melancólica e banal e sem emoção alguma, aí ele teria conseguido um fã, pois minha constatação foi exatamente essa. Antes fosse isso. Linklater expõe todos estes problemas de forma dialética, como se tudo fosse trivial pelas repetições nas vidas de muitos, mas mantém o tom de auto-importância (novamente) de como tudo aquilo interfere no caráter do personagem principal songa monga. Olha aí um dos segredos espertos desse embuste.

Personagens. Ethan Hawke como o pai (ausente, mas descolado, pra variar na criatividade farsesca de Linklater) tem boa atuação sim, ainda mais mediante o processo utilizado por seu diretor e compõe bem seu personagem, o melhor do longa, isto por a personagem de sua filha ter sido anulada com o passar dos anos. Até o discurso machista dele ao fim achei até autêntico (um tanto repetitivo, pra variar, mas não tão canhestro como quase todo o resto), isto sem entrar no contexto se é correto ou não, honesto ao menos o fora, mesmo assim, nada de grandes absurdos qualitativos novamente. O tratamento unilateral dado às mulheres no filme. A irmã de melhor personagem no início do filme vira uma muda tapada assim como seu irmão, como se todo adolescente por obrigação metodológica fosse problemático, idiota e melancólico. A mãe. Patricia Arquete está bem no papel. Forte e densa em talvez um das melhores atuações de sua carreira. O problema é o machismo torpe em que a personagem é construída. O lugar-comum machista absurdo e burro de que mulher não vive sem macho, isso nem por pouco tempo. E ainda tem outro clichê em cima, o do marido e padrasto bêbado (aliás, isso é reprisado, são 2 os bebuns). Porra o filme abusa desses, e de tantos outros, dos mais variados chavões pra justificar as banalidades da vida. Uma puta enganação. Agora Ellar Coltrane recebera o papel mais difícil. Toda a trajetória em cima dele. Essa figura faz o que pode, mas é quase tão apagado quanto seu personagem imbecil. Um adolescente chorão e melancólico. Porra até a fase emo o cara teve. Linklater se aproveita destes rótulos pra aplacar o coração de sua plateia, angariando fãs que fizeram parte dessa fase, de forma genérica. Idiotice pura. Outro bordão. Isto sem falar no avô ensinando o garoto a atirar, o anseio do jovem de ter um carro também. Sim e alguma coisa nova? Uma novidade que seja além de querer usar as muletas do método e a já citada obviedade da vida somente.

O filme foca espertamente na sensibilidade de muitos que diante de tantas características comuns que fazem com que várias pessoas se identifiquem. Esta gama de truques narrativos, a meu ver, simboliza a mediocridade da obra. Uma preocupação em angariar fãs talvez (como já fora dito aqui)? Ou então uma forma de justificar as faltas de originalidades apelando para o senso comum dos acontecimentos da existência. Esta questão abordada em demasia e da forma que fora traz o público para o seu colo doce e choroso onde aninham-se muitos sensibilizados com a vida de um adolescente sem graça numa conjuntura óbvia servida à mesa como um jantar do sentir mediante o amor familiar. Falcatrua. Filosofia barata pra justificar falta de estofo criativo. 

A única novidade louvável (louvável pela tentativa em si e por parte do todo) de Linklater é o processo e não o resultado. De fato tudo é até organizado e os anos passam de forma orgânica sem tanto se sentir no espectador, correto somente, nada de grandes arroubos narrativos como tanto se comenta. Uma boa montagem de tudo que deve ser comentada somente pelo ineditismo destes 12 anos a que os fãs e críticos morrem se referindo, mas nada que um diretor com um pouco mais de criatividade pudesse ousar mais e deixar tudo um pouco menos óbvio e idiota. O problema foi que aqui tudo se perdera nesse processo numa infinidade de alcunhas idiotas em uma trama superficial e de personagens extremamente repetitivos.

A sensação real que fica é de um projeto ambicioso que merece ser visto por pura curiosidade mórbida pela concatenação do processo apenas. As altas expectativas de um filme que faria algo de diferente pararam no seu processo, correto apenas. Uma colcha de retalhos bem costurada pelas mais variadas idiotices, propagandeada como filme simbólico de uma geração e uma ode ao sentir mediante a arte. Pura balela. Um filme medíocre no todo. Melancólico, chato, óbvio demais, entupido de voltas num amontoado de estereótipos poucas vezes visto nestes últimos anos. A banalidade na vida como personificação humana foi transposta simplesmente como a repetição do impalpável, óbvio e superficial que somente um cinema tão farsesco pode apresentar.

Sniper Americano (2014)



Estudo sagaz, crítico e inteligente de Eastwood acerca dos percalços decisivos diante de situações extremas diante de todo um molde moral embasado pelo conservadorismo social e político americano. A sutileza das tragédias de Clint continua impressionando.

Filme dirigido por Clint Eastwood. 
Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Clint Eastwood decide enveredar-se em um dos âmbitos de maior defesa do conservadorismo americano: o belicismo secular americano. Isto se focando na história de Chris Kyle, um dos maiores franco-atiradores de todos os tempos em uma espécie de semi-biografia, mais focada em seus anos de combate no Iraque. 

Eastwood como conhecido conservador americano que é, busca criar toda uma atmosfera que vise montar um mosaico das articulações que viriam a motivar Chris ao combate por seu país. E o faz de forma genérica, desde a criação texana nas bases dos westerns ou na educação conservadora americana baseada em ideais patrióticos claros, pungentes e maniqueístas pós-derrocada vietnamita da era Nixon. Além do fato do crescimento de Kyle formar-se mediante este universo, se entrelaça ao seu modus operandi nacionalista a vontade de lutar contra o "mal do oriente". Diante de todo este mosaico genérico já visto em várias outras obras entra a sutileza da derrocada do ser humano na visão de Clint. Diante de todos os esforços e serviços prestados Kyle sempre é realçado como um batalhador nacionalista com as nuances conservadoras em suas costas e que não mede sacrifícios para defender seu país mesmo que isto custe sua vida. O que não esperava é que custaria parte de sua sanidade e que mesmo diante de tanto defender o estado passara por anos sendo uma lenda perdida em meio ao caos dos tiroteios. Sempre como um anestesiado diante do muito que o cerca. 

Clint, com o uso do ótimo roteiro de Jason Hall, visa mostrar esta figura como exemplo de onde o conservadorismo (seja ele qual for) pode compor uma existência e onde seus excessos podem ser destrutivos e/ou profícuos, não paradoxalmente. Lembra a composição final de situação de William Munny no seu “Os Imperdoáveis” (1992) (salve as proporções bem menos enaltecedoras deste último). Kyle é um cara engajado, criado em família católica praticante, temente a Deus e defensor voraz do instinto de proteção familiar. São esses elementos já tão vistos que Eastwood mostra seu talento em narcotizar tudo na figura de seu atirador. Sim, todos os elementos clássicos do conservadorismo estão lá, como que de propósito, esperando pra serem usados ao invés de somente comporem um contexto de personagem. Compõem sim, mas vai tudo, além disso. São as leves nuances dadas a Kyle que transformam tudo em um estudo crítico dos excessos e de que forma uma vida assim pode ser visualizada e por alguns enaltecida. Nas mãos de outro diretor tudo poderia ser uma ode domesticada ao período Era Bush como forma a defender a guerra do Iraque e à morte dos facínoras que os fossem contra aos intentos de defensores desta era. Filmes imbecis como “Invasão à Casa Branca” (Antoine Fuqua – 2013) se fazem assim, onde os novos terroristas irracionais e loucos seriam os norte-coreanos neste último. Mas em Sniper Americano é imposto o ritmo necessário pra que se entenda Kyle e que não se busque defendê-lo somente, mas sim contemplar as possibilidades do quão pode se perder quando se assumem determinados riscos. Nunca em uma doutrinação pró Bush burra, mas um entendimento de como uma figura clássica americana em seu ensejo inicial viria a deixar perder-se nos, tão defendidos, por muitos, conflitos bélicos. 

Que fique claro, Clint defende seu personagem sim. Defende alguns elementos desse belicismo americano por vezes creditado como necessário, mas não deixa de expor as várias de suas chagas iminentes. O mais interessante é exatamente ver um cara como Clint projetar-se a compor tal obra. Um filme tão distante e perdido na figura de Kyle que visa uma proximidade com seu espectador exatamente em suas matanças. Estudos de personagens em combate já haviam sido concatenados antes recentemente como em “Soldado Anônimo” (Sam Mendes – 2005) por exemplo, em diferença de status e estigmas a este último há o herói lendário que Kyle vem a representar pra muitos companheiros, como um ser humano perdido e desolado, sempre triste. Como se várias camadas das tonalidades do seu caráter fossem mantidas amortizadas, anestesiadas. Funcionais quando lhe apetecessem. Seriam estes percalços de guerra propriamente dita que o teriam deixado assim? Ou a massiva propaganda de sempre (sutilmente delineada aqui) propalada pelo Tio Sam o teriam deixado tão distante?

Chris Kyle afirma não se arrepender de ter matado (oficialmente) 160 pessoas em suas viagem ao oriente em determinada passagem, e diz querer ter protegido mais seus companheiros em uma já clara alusão a todos os meandros da criação conservadora já citados aqui. Mas seu semblante mostra, não o arrependimento, mas mostra o envelhecer do peso dos anos de uma responsabilidade absurda de se tirar uma vida e de como isto pode afetar o enrijecer de toda uma existência. Algo que Clint sempre gosta de manifestar e alertar, como já fora visto em “Os Imperdoáveis”, “Sobre Meninos e Lobos” (2003) e “Menina de Ouro” (2004). O grande lance deste filme é a sutileza das contradições apontadas por Clint, o assumir de responsabilidades e o que elas te acarretam. Não visa discutir a questão ética da guerra em si pelas questões óbvias, mas sim na concatenação de seu personagem principal sempre meio perdido como ser humano em meio a tanto heroísmo que lhes é dado. 

Bradley Cooper tinha uma missão de grande dificuldade neste papel diante da embalagem preparada por seu diretor, mas assumiu o processo inteiro de forma veemente e cirúrgica em todas as texturas dadas a Kyle deixando-o como uma figura multifacetada de expressões sutis sempre em busca do próximo alvo, ou simplesmente em busca do ter o que fazer pra responder sua estadia na guerra defendendo a pátria, a família, os companheiros. Buscando uma justificativa para este mosaico de vida de forma a responder por sua incapacidade de se relacionar de outra forma. Interessante a alegria inicial do pungente cidadão americano de fala dura e segura para se engendrar nas dúvidas de seu silenciar futuro. O resto do elenco compõe bons e razoáveis personagens (alguns bastante matizados) de forma a completar o ambiente para a existência membranosa de Kyle. 

Eastwood peca somente em alguns percalços exagerados em alguns dramas como na figura da esposa de Kyle que escuta alguns tiroteios enquanto falava com Kyle em momentos dramáticos e desnecessários por demais. Pro bem tudo muito rápido e de forma alguma impede a pungência da obra. Aqui os iraquianos são mostrados simplesmente como o outro em combate. A visão de Clint é ríspida, mas não rasteira, oportunista e preconceituosa, como em “Argo” (Ben Affleck – 2012) com os iranianos. Aqui é a simples visão do outro ao longe, assim como a visão inicial dos japoneses aos americanos em “Cartas de Iwo Jima” (2006) do próprio diretor. Clint não toma tanto partido na crítica aos iraquianos que lutavam, a não ser em uma cena de um líder islâmico com uma furadeira à mão contra uma criança. Esta cena específica mais visa mostrar o quão Kyle se sente um inútil em determinadas situações e como busca algo que sempre o faça voltar. As dúvidas e as certezas do que se deve defender e de quais são os seus limites mediante uma luta moralista.

Que não passe despercebido, logicamente, a parte técnica. Porra Clint ainda chuta muitas bundas quando quer. A sugestão das imagens nas conjunturas solitárias de Kyle é soberba, onde todos os tons de cinza e o amarelado das areias diárias da desgraça na fotografia (excelente apoio de Tom Stern) funcionam como o infindável conflito interno de Kyle vindo a mostrar toda a experiência e talento inquestionável de Eastwood na defesa da construção de tragédias gregas de seus personagens. Um mestre. A montagem eficiente e o som estupendo completam o espetáculo visual que culmina na excelente montagem da cena final no Iraque com direito a criação de uma atmosfera insuportável de tensão na despedida bélica stricto sensu de Kyle no Iraque.

Se procurares uma crítica ao modelo antibelicista de parte da esquerda americana, não achará um grande aporte aqui. Se buscar uma defesa a alguns elementos dos elementos aos moldes do conservadorismo clássico americano você a encontrará cercada de suas falhas e conotações intrínsecas aos sofrimentos dos caminhos seguidos das figuras que vivem sob a égide desta escola. Aqui há um estudo de uma figura acima de tudo, defendendo e culpabilizando seus problemas com o enaltecimento da força das escolhas de proteção/mortandade de gregos e troianos. 


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (2014)


Uma batalha intensa, absurda e idiota. Thorin é um imbecil mal construído. Ele morre e todos choram. Fim. Assim termina este grande arremedo de cinema. Barulho sem um conceito mínimo que suportasse metade do que se vê. Besteirada

Filme dirigido por Peter Jackson.    NOTA: 4,5

Terceiro e decisivo/esperado episódio desta, que é a trilogia que visa encaixar-se à Senhor dos Anéis.

Agora os anões sob o controle de sua montanha, após Smaug escafeder-se de lá, tem de se preparar para uma batalha que envolve humanos, elfos e orcs pela sua montanha por algumas motivações em sua maioria escusas.

Isso já resume bem o roteiro deste arremedo de filme. Este aqui prova que Jackson realmente só queria fazer 2 filmes. Mais parece uma colcha de retalhos de estrutura amplamente falha. Lutas encaixadas umas nas outras na marra, ganância mal formatada de Thorin e um bom embate que mostre o crescimento de Sauron. E é só.

Muito mais no mesmo em alguns embate e frases feitas à semelhança de SDA mas sem chegar nem perto do mesmo impacto. Em SDA onde a batalha impressionava pela grandiosidade e pela qualidade em como tudo era encaixado esta aqui é uma repetição dos bons momentos de SDA sem vínculos que realmente a justifiquem por si mesma. Até é tentado algo neste aspecto. Mas o simplismo reina. O elfos querem algumas riquezas e os humanos também, estes últimos pelo menos querem se reestabelecer diante dos anões que soltaram o Dragão que destruíra a cidade do lago próxima a montanha. Os orcs, aqui sim uma boa sacada mesmo que explanada rapidamente, querem a montanha para além das riquezas uma posição estratégica para os domínios ao leste, isto já como parte dos planos futuros de Sauron em SDA.

Antes de adentrar mais nestas searas é interessante dar uma pincelada final do idiota poderoso Smaug. Agora saído da montanha passa a destruir a cidade próxima com toda sua fúria e poder até ter o discurso final com Bard e ser morto por ele. Mesmo que rapidamente aqui Smaug funciona mais do que com sua filosofia de bodega, porém tudo ocorre muito rapidamente e nem nos dá o tempo certo de se apreciar o que poderia ter sido um ótimo personagem. Vai ficar no campo eterno das conjecturas. Mas ainda nos deu tempo do discurso final arrogante e tapado que dera tempo de Bard improvisar um arco e matá-lo. Aqui Jackson foi coeso. Um personagem imbecil morto por sua imbecilidade. Merecia bem mais que isso desde o segundo filme.

Eu cito bastante Senhor Dos Anéis, principalmente neste terceiro, porque são exatamente os pontos relacionados a primeira trilogia as qualidades deste último filme, pelo menos a massiva maioria destas referências. Como exemplo lembrei de toda a sequência envolvendo Sauron e Gandalf aqui, que recebe a ajuda de Galadriel, Saruman e Elrond em uma luta interessantemente bem beita contra o exército dos 9 mortos de Sauron. Tudo isso com direito a uma ótima deixa de Sarumam em relação a todo o embate e as circunstâncias do perigo de tal situação e o que suas decisões influenciariam no futuro da Terra Média. Pode até parecer em algum momento gratuito ou somente para fazer os fãs babarem, mas comigo funcionou ao encaixar com a outra trilogia, uma espécie de fuga diante de tanta besteira neste último.

Um bom ponto para Jackson foi o crescimento de Legolas neste filme, que além de sua ação sempre exacerbada e usada de maneira competente o personagem agora revela algumas camadas menos ríspidas que viriam a servir para o aprofundamento de seu personagem e no que ele seria adiante nos filmes cronologicamente posteriores. Positivo este ponto na utilização dele por seguir Tauriel que estava atrás de seu romance brega proibido. Serviu pelo menos pra isso o romance (que termina dramaticamente com a morte do anão e o choro de Tauriel, beleza Titanic).

Agora a batalha em si como o usual é bem feita, tem seus momentos de tensão (alguns) e repetição (elfos ajudando em cima da hora, vide SDA 2 Torres) de sempre. Aqui a confusão de tudo é mais tranquila de controlar pela diminuição do espaço geográfico. Mas nunca empolga pra valer, quando não é mais do mesmo simplesmente não empolga por si só. Jackson ainda tenta focar em combates mais intimistas, o que é bem positivo diante de toda a falta de ineditismo e empolgação que se prometera. As lutas entre Legolas vs Bolg e de Thorin vs Azog ganham espaço neste sentido. Mas grosso modo a batalha em geral soa cansativa por existir por si só sem que hajam motivações mais interessantes para havê-la. Sim. O problema de um filme de 2 horas e 25 é falta de tempo para os personagens.

Bilbo pelo menos está bem constituído sem grandes esforços e o resto no pleno automático. Bard pelo menos se mostra com o grande personagem deste filme juntamente com Legolas (engraçado que este nem aparecia no livro O Hobbit) que além do primeiro matar o dragão assume a liderança dos humanos de forma mais próxima possível a uma saída da unidimensionalidade geral. Outras figuras imbecis pairam como o assistente do Rei da cidade do lago que tem como mote o alívio cômico, porém além de não ter graça é totalmente inúltil e uma imitação exagerada e fajuta de Gríma Língua de Cobra de SDA. Um autoplágio imbecil de Jackson.

Thorin. Aqui o destaque é jogado em suas costas e aqui é onde o filme falha miseravelmente com uma apressada constituição doentia da ganância de uma figura. Como se a entrada na montanha o transformasse num tapado doente sem escrúpulos e vingativo e tudo bem depressa. Um malfadada tentativa de repetir a metáfora da ganância humana que é tão usada nos 6 filmes, e neste é onde exatamente monta-se seu maior fracasso nessa questão. Difícil cair na desculpa esfarrapada de "doença do dragão" para justificar uma derrocada narrativa. Que diante de uma alucinação o velho Thorin auto importante volta da ganância abusiva pra consertar tudo. Clichê, burro, fácil e idiota. Vendo seu retrospecto só se justifica a jumentice. Enquanto que em SDA Boromir já era um cara ganancioso por construção de sua constituição moral e falhara em seu intento e Frodo levaria três filmes pra se transformar e ainda assim permanecer ficar bastante confuso ou então o vício homicida pelo anel por Gollum sempre bem concatenados, mas Thorin mais parece um idiota unidimensional que no último minuto alucina e tem uma luz para a sabedoria e liberdade dos grilhões da ganância. Uma presepada irônica talvez. Mas fiquei por acreditar em ser estupidamente construído mesmo. Analisando este aspecto como um todo é impressionante como Jackson não buscou um trato maior a este personagem e a tantos outros tamnbém, para no mínimo finalizar a coisa de modo tragável. Este arremedo de barulhos e imagens caberiam melhor como sendo pedaços dos 2 primeiros. E olhe lá que nem alguns destes pedaços se salvam.

Onde o aparato visual sempre ajudara a compor tudo o que fora planejado por Jackson sempre com um mínimo de composição narrativa por trás este terceiro peca miseravelmente por ser apressado em mostrar somente a batalha (onde seus melhores momentos são as batalhas intimistas e não os planos gerais e fechados desta grande batalha) sem ter pontos narrativos que minimamente a segurassem. Tendo como qualidade somente a lembrança e renitência de citações dos filmes posteriores/anteriores. Cumpriu a função de lembrar-nos de Senhor dos Anéis e propõe um encaixe de tudo, mas é só. Eu defendo alguns pontos dos outros 2 filmes desta nova trilogia por ainda terem um mínimo de história a contar, mesmo que fosse relegada a algumas falhas, mas aqui é claro demais a ganância pela grana dos estúdios (sem choro), tipo o Thorin, ganancioso idiota dono da montanha. Tá certo. Estão ricos e comandando a parada, mas que pelo menos tivesse alguma qualidade. Mas pra que? o Primeiro já pagou os 3, o segundo tinha algo a contar, o último foi só o sumo dos outros 2. Como filme é um arremedo do que poderia ter sido. Como indústria da fomentação de lucros Peter Jackson está limpando as lágrimas com cédulas de 100 com as críticas negativas (coisa que o Michael Bay já faz há tempos). Mas como filme é uma fuleragem.
Por Ted Rafael Araujo Nogueira, em 08/01/2015

O Hobbit: A Desolação de Smaug (2013)



"Repete alguns erros do primeiro, mas retira a infantilidade da narrativa e parte para um viés mais sombrio e mantém o apuro visual. Erra em surgir com um romance piegas entre raças diferentes e peca na desastrosa construção do poderoso idiota Smaug



Filme dirigido por Peter Jackson     NOTA: 6,0


Segunda investida (a quinta de 2001 pra cá, isso em datas de lançamento) cronológica na saga de Jackson em relação a obra de Tolkien. Continua a irregularidade do anterior suplantando erros do anterior mas, cometendo outros novos, dois deles bastante idiotas.


Continua a saga do anão Thorin e seus comparsas tampinhas valentes pela Terra Média em busca da revalidação de sua morada tomada pelo dragão ganancioso e escroto. Agora com a esperada cena de aparição de Smaug.

Sequência igualmente arrebatadora na parte visual (embora já comece a se repetir um pouco mais que o esperado em alguns planos) e falha em termos de narrativa. Longa demais na jornada na parte da ação e não no desenvolvimento dos conflitos dos personagens, ponto de erro já existente no filme anterior. Personagens inúteirs em termos de narrativa desfilam em tela. Porra Beorn é excelente visualmente, mas não acrescenta em quase nada na trama. "Ah mas no livro tava igual e foi bem adaptado", isso não vem ao caso. Minha análise aqui é do filme. Não li O Hobbit. SDA li e Tom Bombadil é inútil para colocá-lo no primeiro filme e Jackson acertou ao não usá-lo. Pelo menos a sequência de Beorn fora usada (e não fora longa mediante que mal há ação na mesma talvez, vício de Jackson nestes novos longas) para frear a perseguição dos orcs aos anôes e propor outra entrada narrativa, a dos elfos.

Novamente o combate exagerado dos anões contra aranhas gigantes mostra como Jackson se viciou no exagero após King Kong (ainda que eu ache este um ótimo filme dele). De interessante fica o crescente uso do Um anel por parte de Bilbo, onde já começar-se-ia a mostrar o quanto este artefato o modificaria futuramente. Então entram em cena de maneira visual magistral como sempre os elfos. Logicamente trocas de farpas anunciadas são postas em pauta, e características já claras a estas raças como a teimosia rancorosa dos anões e a condescendência dos elfos. Aqui um dos erros idiotas que citei acima começa a se construir: a relação amorosa platônica forçada entre uma elfa e um anão. Uma tentativa de unir as diferenças pelo amor, que valida tudo, em prol do respeito ao diferente. Porra se não fosse construído de forma tão piegas e previsível quem sabe. Aqui vejo uma tentativa de criar uma relação amistosa entre dois seres de raças diferentes assim como fora concatenado com sucesso em duas oportunidades em SDA com Aragorn e Arwen e a amizade de Legolas com Gimli. Esta última sim excelente e construída mediante o caráter histórico aspero de suas tribos uma com a outra onde a amizade suplantaria tudo isso. Agora este romance em a desolação de Smaug beira o ridículo. Brega (na pior acepção da palavra) é pouco para este pseudo-relacionamento. Tauriel (Evangeline Lilly ) e sua busca por seu queridinho Kili na caça dos orc aos anões após a fuga destes últimos pelo jugo dos elfos, serve somente para introduzir um ríspido Légolas na ação (outra esperteza de Jackson visto as possibilidades na ação de um personagem tão querido pelos fãs e tão já bem utilizado na primeira trilogia). 

Em termos visuais o filme mantém um alto nível de qualidade e agora partindo para um lado mais sombrio da história assim compondo elementos mais intensos e menos infantis que no primeiro longo, algo que soa positivo mediante a bagagem infantilóide em demasia do primeiro filme. Esta atmosfera mais séria vai crescendo mediante a proximidade dos anões à chegada na montanha e ao encontro com Smaug. Ab termos de construção de personagens Jackson mantém o tom em Bilbo fazendo-o mudar seu caráter mais tímido pouco a pouco, enquanto que Thorin ao adentrar na montanha rapidamente fica ganancioso (algo que ganharia contornos narrativos mais viciados no terceiro filme) ao contrário do líder grosseiro e audaz do primeiro filme que visa a honra dos anões. Aqui a tentativa do realizador foi repetir a performance qualitativa do crescimento do vício de Frodo com o anel em SDA. Mas aqui tudo ficara corrido por demais em seu final. No próximo filme esta seara seria levada mais a cabo. 

Gandalf separa-se dos anões para ir de encontro a um possível mal que ressurgiria. O crescimento de Sauron após a perda do anel é tratada aqui de forma bastante satisfatória onde há outro esperando encontro de Gandalf com o espírito de Sauron, ainda em reestabelecimento para o combate futuro numa citação clara e interessante e de bom encaixe com SDA. Tudo visualmente interessante e bem construído. 

As falhas narrativas do primeiro ainda incomodam, mas o aspecto mais sério que o crescimento da trama exige mostra-se bastante salutar, ainda com a entrada dos humanos na trama, principalmente na figura de Bard como líder rebelde contra as expropriações que seu povo sofre de seu líder bufão bem clichê. Aqui as relações e os elos entre humanos e anões são estabelecidos mediante a necessidade do desespero e bem construídos. Até haver o início do combate na cidade as bocas da montanha de Smaug entre anões e orcs e com a positiva intromissão dos elfos Legolas (sempre interessante no campo da ação) e Tauriel. Mas nada é alegria. Kili estaria ferido e quem além de sua médica salvadora elfíca poderia tirá-lo dessa? Continuação da pieguice e numa espécie de imitação do que Arwen teria feito quando salvara Frodo no primeiro SDA. 

A parte técnica continua estarrecedora com uma sublime direção de arte, fotografia e seus efeitos especiais primorosos como de costume. A direção aqui não compromete novamente (apesar dos repetidos planos gerais em movimento com personagens correndo pelas belíssimas paisagens da Nova Zelândia pareçam repetitivas em alguns momentos), nada que atrapalhe o prazer do acompanhamento visual da obra. Atenção a alguns planos-sequências de Jackson que beiram o espetacular como na exagerada, sim, fuga dos anõs dos orc dentro de barris em impressionante sequência de cair o queixo. Bem coreografada e cheia de excelentes efeitos e que põe por terra cenas de ação onde nada se entende como em filmes de outras séries como transformers. Aí vem o Smaug.

Smaug. Um personagem forte e visualmente arrebatador muito bem captado pela câmera de Jackson dando a entender todo seu poderio, pena que este dragão seja um idiota burro como uma porta. Risível por demais seu diálogo com Bilbo onde a analogia em relação à ganância humana via doença social personificada no dragão peca miseravelmente por seu simplismo imbecil. Um ser tão poderoso, e um dos mais perigosos da Terra média, se irrita facilmente com qualquer adjetivo proferido contra ele? A desculpa seria a ganância? A doença da pedra arken? A analogia acerca desta ganância? Isso me soou mais como uma desculpa de uma linha de filosofia de botequim que não se sustenta na narrativa e busca muletas para a própria existência. Um personagem de tal importância não deveria ser composto somente de burrice e frases feitas que não amedrontariam nem uma barata mais inteligente. O quanto é espetacular visualmente quase se equivale no contrário em sua pobreza matizada de seu discurso. Neste discurso Jackson tiraria a iditice do exagero do tom autoimportante do primeiro filme e jogaria nas costas de Smaug em toda sua verve do poderoso idiota.Tanto que diversos exércitos nunca conseguiram entrar lá, mas alguns anões com palavras odiosas ao Dragão iriam tirá-lo de lá? Fosse tudo baseado em uma estratégia mais inteligente tudo bem, mas desta forma beira o simplório. E ao fim? Que o Dragão de centenas de4 anos age como adolescente e parte para sua vingancinha e contra os humanos?! 

Não fosse o romance idiota entre Tauriel e Kili e o tratamento errôneo dado a Smaug (principalmente nesta última situação, que é situação chave ao filme) este seria o melhor da nova trilogia mediante alguns acertos gerais na construção do contexto e algumas cenas inspiradas e acertos de encaixe aqui e ali, aliás fosse Smaug um grande personagem, além do visual, este filme já estaria salvo. Do jeito que está mantém a irregularidade do primeiro. Uma pena. Fica como legado o apuro visual de sempre de Jackson mas com falhas (algumas grosseiras) na narrativas e na construção de alguns personagens.


Por Ted Rafael Araujo Nogueira