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segunda-feira, 9 de março de 2015

Alien - O Oitavo Passageiro (1979)


De Ridley Scott

Por Ted Rafael Araujo Nogueira Nota 10,0

Investida do inglês Scott em material Sci-Fi que virara ícone de gerações e influenciaria tantos outros artistas nas mais diferenciadas searas. Fincou de vez o terror alienígena na ficção moderna não somente com o medo, mas com o assombro ideológico do fim de uma embriaguez pós-Vietnã. 

Aqui temos toda uma questão conjuntural metafórica interessante acerca do capitalismo neoliberal e seus benefícios e malefícios, e em como o ser humano reage diante do desespero antropomorfizado na criatura alienígena escrota. Scott (com usufruto do excelente roteiro de Dan O'Bannon e Ronald Shusett) adentra na ressaca que a new hollywood começava a ter numa mistura de sentimentos de não indulgência para com os malefícios da Guerra do Vietnã, e compõe uma atmosfera suja, asquerosa para que o babão alien possa se manifestar. 

Abertura para os governos Thatcher e Reagan (que chegaria ao posto em 81, Scott foca mais na analogia aos ingleses, mas incita as projeções) para Inglaterra e EUA respectivamente, na transformação do estado de bem estar social advindo de fins da segunda guerra que daria lugar e aconchego a neoliberalismo ianque/britânico. Situação bem transposta e exemplificada nas discussões dos personagens em relação às suas cotas e pagamentos a serem recebidos por suas labutas discutindo-se questões contratuais exploracionistas. Aqui o trabalhador inglês braçal sindicalista tão persona non grata na governança conservadora thatcherista (até como uma espécie de projeção também, Thatcher já era líder do partido conservador desde 1975, mas só se tornaria primeira-ministra em 1979) é exemplificado nas figuras de Parker e Brett, que buscam melhorias e consideram-se inferiores não somente pelo pagamento, mas pela hierarquia de trabalho que os coloca em condições de inferioridade de trabalho também. 

Essa problemática é tratada por Scott com sagacidade e ironia expondo as ineficiências hierárquicas de um grupo acerca de ordenanças superiores à nave que não compactuam com o bem do coletivo da tripulação, aliás, os dispensam muito claramente em um dado momento. A figura do androide só aceita sua condição por já ser programado para tal em sua composição. Este último representa a ironia cínica de alguns aspectos capitalistas negativos, que espirram o coletivo de um lado para o outro buscando promover justificativas de seus meios para seus fins, logicamente que Scott trata tudo com sarcasmo e um puta sarro quando Ash (em impressionante atuação de Ian Holm, que todas as suas nuances trazem nitidamente a sensação de que os verdadeiros impulsos motivacionais de tudo que os cercam ainda estão por vir) diz ter simpatia pela sobrevivência humana perante o monstro. A quebra dos ovos para um omelete escuso no futuro. 

A criação do ambiente, além de sujo, é evidenciada como claustrofóbico diminuído a cada instante diante da ameaça em constância. Tudo aquilo representando o desespero diante do desconhecido perigoso que não se entende trazendo a animalização instintiva humana à pauta. Enquanto a empresa Weyland-Yutani quer o estudo do alienígena como futura arma biológica, dispensa a tripulação da nave Nostromo. Nostromo esta aonde já existe com uma carga de crítica imperialista em sua nomenclatura e além. Nostromo (1904) é um romance de Joseph Conrad (Coração das Trevas) que se propõe a criticar ironicamente o imperialismo inglês (principalmente) no que tange aos seus assombros megalomaníacos seja na África ou na América, em respeito a isto em uma analogia não-anacrônica diante das sabidas mudanças em mais de 70 anos que separam as obras. Interessante notar que o próprio Conrad não conseguia enxergar algum movimento anti-imperialista como organizado pelo colonizado e sim por alguma maracutaia imperialista ou desorganização. A visão do outro de Conrad propunha o domínio ocidental sem contornos de defesa legítima para o colonizado, como apontara o crítico literário palestino Edward Said sobre a obra de Joseph Conrad. Nostromo seria o símbolo de um domínio que pouco se importara com o outro e que não acreditaria em revanches negativas por desconhecimento e por puro crédito em seu poder de seus estratagemas considerados superiores. Ridley Scott usa-se do Alien como mote de luta diante do imperialismo como uma figura ofensiva que pode ser usada para os próprios meios de domínio imperial. Aqui chegamos num ponto genial da abordagem scottiana neste alien. A utilização do perigoso desconhecido como arma contra os alcunhados conhecidos inferiorizados futuros. A captação de uma força criada pelo imperialismo como um castigo primal, uma ofensiva brutal diante dos descomunais esforços de crescimento imperialista. Scott aponta o Alien como um ser com um objetivo claro. O velho "não fode comigo porra", nos quais os mais variados países nos usos imperiais não conheciam grandes repulsas diante dos menores. Vietnã. O pipocar dos processos de independência na África prova esta situação.

O poder absurdo do não reconhecimento do outro volta para a tripulação onde a revolta dos mesmos se dá diante de sua situação quando os intentos de seus patronos são colocados à mesa. A incansável ironia de Scott é vista mediante os questionamentos dos trabalhadores explorados das grandes empresas e como as mesmas os colocam em determinadas situações munidos de partes de informação diante do fim maior que os meios usados. Por isso o contra-ataque do Alien é por implacabilidade não seletiva, a destruição do outro pela defesa própria diante de um ataque inicial sofrido, uma invasão de território. 

A constituição de todo este universo análogo e genial de Ridley propõe o debate acerca do que devemos conhecer do que nos cerca além da continuidade da mediocridade como lençol por sobre uma máquina escrota de dominação humana. Nada é perdido aqui, a hierarquia (já citada) militar farsesca como mero esquematismo forjado a incitar regras que, a posteriori, são descobertas como moribundas em seu nascimento. Tanto que é interessante explicitar a dialética sarcástica da personagem de Ellen Ripley. A figura sempre desconfiada de tudo, que debate acerca das cadeiras de comando, discute as regras, tem a representatividade do olhar diferenciado de uma figura análoga em uma questão de gênero onde, nos moldes paternalistas, não se adquiria a mulher nos meios políticos de maior controle imperialista. O irônico de tudo é que a governabilidade dos conterrâneos de Scott no período é de Margaret Thatcher, figura conhecida por seu trato duro com as camadas trabalhistas inglesas e grande apoiadora e participante do neoliberalismo que surgia. A representatividade irônica de Scott com Ripley é essa. Em paradoxo somos apresentados a seus aspectos instigantes e fortes onde sempre busca agir e liderar na resolução do todo. A primeira a reconhecer que a força Alien existe mediante um trunfo militar de seus contratantes. 

A escolha do artista plástico suíço H.R. Giger foi para além de sua capacidade absurda como um criador de figuras rebuscadas e assustadoras somente, mas sim pela característica visual sexual de sua obra. Visto em obras suas como Necronom IV de 1976 (que servira de base para Alien) é mostrado o aspecto claramente fálico da cabeça do alienígena, isto somado a sua boca interna de falicismo similar, características que vão de encontro a toda a questão do pulsar imperial pelo controle. A intenção aqui é a demonstração do interesse pelo poder do homem onde a empresa Weyland-Yutani compõe esforços para a aquisição deste ser. O ser como uma conquista e como uma forma de controle a ser alcançada.

O pequeno elenco põe em tela toda a diversificação ideológica proposta por Scott com o uso de arquétipos junguianos colocando-os em contornos sacanas, sarcásticos em relação à política trabalhista e expansionista principalmente da dupla EUA/Inglaterra. Cada um deles bem trabalhado, apesar do pouco espaço em tela de alguns. Desde o braçal escapista Brett (Harry Dean Stanton) ao chefe, inicialmente representante maior do empresariado, Tom Skeritt, todos fazem muito bem suas funções que são vitimadas pelo poder do outro por seguir suas condutas de trabalho e obediência. Onde a desobediência e a desconfiança de Ripley (a musa Sci-Fi Sigourney Weaver) a tornam díspare deste universo que soa como um aviso de Scott aos detratores dos vieses expansionistas. 

Para compor o todo planejado pela mente de Scott a parte técnica teria de ser detalhada e bem tratada. E como fora. Esplendorosa fotografia de Derek Vanlint que codifica o universo sujo e análogo proposto por seu diretor, onde a já contemplada claustrofobia é um mecanismo de exclusão física dos espaços adotada aqui e que o significado dos mesmos vão sendo alimentados pela violência crescente de seu personagem principal. Somada ao ótimo processo de edição de Terry Rawlings, moldando o desconhecido como um vulto inicial alavancando sua presença física nos limiares das existências dos tripulantes. A questão física tanto dos espaços quanto do alienígena aqui, são explicitados por mim propositalmente diante de como Scott molda seu universo, o combate entre os espaços, a dialética do fechado com o avantajar do considerado monstruoso, além dos laudeados e excelentes efeitos visuais. Um dos grandes trabalhos visuais já intencionados e criados no cinema em todos os tempos. Seguido a este processo está a direção de arte espetacular que cria um sem-número de artefatos que dialogam com toda a ideologia proposta, além de conterem a veracidade cênica absurda na verossimilhança daquele universo. E não esqueço da ótima trilha sonora de Jerry Goldsmith que perpassa diante do longa como uma composição colérica que narra a desconstrução de uma tripulação por uma força eficaz. Exalta bem demais o climão característico do sci-fi de terror.

O questionamento de tudo como o terror de uma existência. Ao término ainda temos a constatação de Scott perante a sobrevivência humana diante do diferente. A fragilidade da humana seminua diante do poder do controverso em sua fronte, a exposição das fraquezas, destituição do poderio ideológico, por mais poderosos que sejam seus recursos. O resistir humano impassível e instintivo com o abandono da identidade pela desinformação. O abandono físico no universo desconhecido. Filme do caralho. Putz.