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1964: O Brasil Entre Armas e Livros (2019)

Documentário revisionista que busca impor uma narrativa histórica própria que deslegitime a vasta bibliografia sobre o tema, consid...

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

1964: O Brasil Entre Armas e Livros (2019)




Documentário revisionista que busca impor uma narrativa histórica própria que deslegitime a vasta bibliografia sobre o tema, considerada como marxismo cultural por esta turma da nova direita. A galera do Brasil Paralelo.

1964: O Brasil Entre Armas e Livros
De Felipe Valerim e Lucas Ferrugem
Nota 3,5

Desde o nascedouro o longa busca uma linguagem direta para com seu público alvo. Uma abordagem conservadora, faz sentido mediante o pensamento político de seus realizadores. O esquema talking head é seguido à risca. Foca no personagem, com fundos diversos, sem profundidade de campo. Aqui o discurso que interessa. A credibilidade daqueles que o proferem. Vinculando isso à "seriedade histórica" da narrativa simples, "youtubica" (se me permitem este neologismo vagabundo) – aliás antes de classificá-lo como cinema chamo-o de vídeo, pois isto que o próprio parece, um vídeo do youtube de 2 horas - que sirva de produto rápido de manipulação discursiva. Nada de novo. Tática conservadora, rasteira e eficaz, sem esquecer do caráter patriótico e de denúncia e sofrimento por perseguição ao pensamento contrário à esquerda. Tudo isso bem vendido desde o começo.

Há algumas escolhas de que são objetivadas para o entendimento, mas suas repetições sub-reptícias nos mostram uma natureza gratuita com algumas intenções, esperteza e outras são erros crassos. Alguns exemplos. 1. Narração off com a função de estabelecer um tom supostamente neutro para o espectador, onde começa por informar e vai se dedicando a servir com um opinioso crescente. 2. A imagem em scope (2.35.1) de nada serve. Não agrega. Escolha estética somente para padronizar a obra para exibição nos cinemas meio que querendo descolar do esquema vídeo de youtube que não conseguem se soltar (ao invés da dialética interessante ficaram com a óbvia contradição). 3. Os mapas. Demérito encontrado nos mais variados documentários e séries vinculados à história deste período. Porém muitos deles usam como função específica de linguagem para além da mera ilustração (algo que se repete nas fontes). Aqui não passa disso.

Fontes diversas. Uso clássico de imagens e vídeos de arquivo para denotar a pesquisa histórica e credibilidade. Tentativa e cópia de um esquema BBC, sem a mesma seriedade ou expertise. As fontes devem servir de salvaguarda e credibilidade para a obra e que sirva à linguagem, à narrativa e não somente como apropriação imagética ilustrativa, sensacionalista sempre que possível – vide a marmota com a foto do Sebastião Salgado, que na verdade é de 1986, sem relação alguma com as ligas camponesas (mau-caratismo e pilantragem ou incompetência?). Sem falar da tentativa de precisão da modernidade diversificada. Carregando o teor modernoso, tem até o uso de uma conversa privada de messenger de rede social como fonte. Muitos consideram isso mera patetice. Eu incluso.

Estabelecimento de temas. Existe aqui a intenção de representação de um mosaico que permita um entendimento mais invocado dos antecedentes no Brasil. Obviamente a citação do totalitarismo é usada como momentum preambular do discurso da ameaça comunista no Brasil pré-1964. Então por opção dos realizadores há a explanação e exploração da Guerra Fria, 2ª Guerra Mundial e até a Revolução Russa. Isto dentro da narrativa que venha a corroborar, sem pressa, com a ameaça comunista que pairava pelo planeta e como tal coisa era diversificada e rebuscada no que envolviam trocas de poder, relações culturais e espionagem propriamente dita. Uma obra que vende uma verdade histórica, “aquela que teus professores não te contam”, e é seguida à risca sem a imparcialidade objetiva vendida no início - uma venda esperta pra chamar público.

O discurso da suposta imparcialidade cai por terra, o tempo todo, quando vemos um tratamento diferenciado, e metido a espertinho, no tocante às personalidades históricas. Onde figuras como Winston Churchill, conservador respeitado, visto pelo filme como um salvacionista ímpar, usado aqui como um depósito de confiança no discurso. Tático. Na outra ponta vemos as figuras mais esquerda tratadas ora como escrotos abertamente, no caso da tríade soviética (Stálin, Lenin e Trotsky), ora como caricaturas. Jânio Quadros é um. No início ele é afirmado como populista da UDN, sem vínculo direto com esquerda ou direita, mas no momento que é dito seu contato com o comunismo vem o caráter de brincadeira e sátira. A música deixa isso claro, a estratégia musical de choque, tons graves pra denotar o caráter de gravidade, tensão e violência quando cita a guerra fria, vai na outra esfera com o tom jocoso quando trata personalidades que se quer avacalhar. Uma manipulação básica de linguagem pra influir sentimento de deslegitimidade no personagem tratado para o expectador. Além disso há certa confusão quanto a algumas figuras. É dito que a esquerda queria o Jango talvez como fantoche, depois que ele era ligado aos comunistas, e que era íntimo de espiões tchecos, e ainda que a esquerda não o queria e nem o chamaria de volta ao país. Nisso o filme não se decide. Jango é tratado na mais absoluta confusão. A intenção do filme é esta mesmo? Ou faz parte das contradições que a a própria obra comete?

Utilização de especialistas em história. Apresenta jornalistas, comentaristas em geral, pesquisadores, um astrólogo e filósofo (vai), e um historiador oficial. Rafael Nogueira. O tom dos discursos é similar nos questionamentos políticos que ensejam nas intenções do filme porém o roteiro peca pela falta de congruência. Não que o mesmo tenha de ser uníssono, mas entrar em contradição com a narrativa que inventa é de lascar. O filme passa uma hora afirmando o absurdo da ameaça comunista que não só rondava o país, mas conspirava dentro do mesmo. Porém quando começa a falar explicitamente de 1964 afirma, pelas vozes de seus entrevistados, que não houve resistência alguma e que "a revolução foi um sucesso em 24 horas", como afirma um deles. Ora aqui existe um problema de discurso grave. Alguns defensores da obra podem querer atestar a liberdade de espaço dos entrevistados. Eu vejo da seguinte forma, esta confusão é pra afirmar que existia sim uma ameaça perigosa já dentro do país, porém as forças conservadoras, militares e civis, heroicas obtiveram rapidamente êxito contra seus inimigos. Fácil assim? Não cola.

O filme afirma tecnicamente a existência de um golpe, de uma ditadura, a partir de 68. Pondo em pauta a atuação da linha dura no processo. Porém sem deixar de citar que o recrudescimento também se dera como reação às guerrilhas. O atentado no Rio Centro que fora "Coisa da linha dura e não da extrema esquerda", segundo Lucas Berlanza. Anistia. Ampla, geral e irrestrita. Borracha para os dois lados. Estes temas são tratados formalmente diante do senso comum. Negar a ditadura é uma figuração de uma direita anacrônica e virulenta. A ala neoconservadora, à brasileira, que tem o anseio ultraliberal como pauta, vê a defesa de alguma autoritarismo velado e histórico como embaço pro mercado mais aberto. Por isso que o caminho escolhido é de certo cuidado, apontando problemas do exército na condução do país, incluindo seus exageros, e sem que se avacalhe a instituição. De que adiantaria bater de frente com uma bibliografia vasta neste ponto (um dos principais), negando a ditadura? Além do que isto vende o caráter de respeito ao contraditório. O filme aqui é esperto.

A questão da documentação da Tchecoslováquia. Discorre inicialmente sobre a bibliografia farta que discute a influência americana na ditadura militar e que não falaria do lado soviético da situação (a não ser o Olavo de Carvalho, que é citado nisso por Mauro Abranches). Ou seja, o filme busca uma cobrança histórica em seu discurso, porém ele mesmo em sua duração não busca ser coerente com o modus operandi que defende. Questão de roteiro e narrativa. Mas aqui temos o melhor momento do filme. Mais sério e consistente. Mesmo com a estética de sempre presente. Mais funcional e coesa, é bom afirmar. Talvez pela curiosidade temática deste trecho, desconhecido no Brasil. Elemento do filme que invoca o tal compromisso com a verdade. Funciona, ainda mais pela pilantragem. A montagem escolhe trecho da entrevista no qual Mauro Abranches, pesquisador sobre o material de espionagem tcheca, afirma que isso era somente material tcheco. Que de outros países citados nos documentos poder-se-iam provocar mais rebuliços sobre espionagem no Brasil.

Usufruto interpretativo histórico. Existem algumas incongruências históricas aqui usadas em benefício da narrativa. São escolhas de roteiro, que se não tendenciosas são de um esquecimento de material notável. Claro que tudo isso é proveniente de uma escolha política, narrativa e histórica, sempre repito. Citarei algumas. 1. Fala do poderio atômico soviético como um absurdo perigoso apontado para o mundo, sem por o contraditório à baila. O americano era tão perigoso quanto, porém tem-se o cuidado de citar de leve a corrida armamentista. 2. Espionagem e propaganda soviética. Trata como se isso fosse quase que inventado pela URSS. KGB. Mas e o FBI e a CIA? Cita rapidamente o envolvimento da inteligência americana. Em uma frase. Aqui como usufruto da argumentação da imparcialidade. São observações que o filme faz pra não se perder na caricatura. 3. Fala do governo de Nikita Khrushchev como um mero continuismo stalinista, porém ele era um crítico de Stalin, como no segundo Congresso dos PCUS em 1956 onde expunha o caráter totalitário e violento do Stalin. E tido numa pior relação com os EUA, do que no período stalinista e mais do que com seu sucessor, Leonid Brejnev, da ala mais radical que recrudesceu relações e foi partícipe da guerra do Vietnã, que começara a vera após a saída de Nikita 1964. O Khrushchev só fora citado pela instalação de mísseis soviéticos em pontos estratégicos na crise dos mísseis em Cuba. E quando rolou mísseis americanos na Turquia e na Itália antes? 4. A intentona comunista tida pelo filme como tentativa de implementação do poder comuna em 1935. Mas esquece de discorrer sobre o total fracasso dela devido a falta de alinhamento político no Brasil de uma galera que viesse a aderir a causa. 5. Inclinação à esquerda com JK? Patético o argumento (de Alexandre Borges chefe do Instituto Liberal) do fato de o projeto ser de um esquerdista (Niemeyer era comunista convicto) como algo decisivo. "Tirar a capital de perto da população" como tática esquerdista. Mas é sabido o caráter faraônico de JK, desde o governo dele em Minas, e que uma capital mais distante do povo é algo tático independentemente de esquerda ou direita. Washington? Alguém? 6. A mentalidade desenvolvimentista de JK é citada. Os gastos públicos. Engraçado que não falam da abertura à multinacionais no país. Um elemento absolutamente capitalista e expansionista, mas beleza. 7. Rafael Nogueira, o historiador oficial do filme, afirma o caráter não democrático da pressão, por ele citada, exercida por Jango nos trabalhadores para embaçar o congresso. O mesmo congresso que não deixara Jango governar diante da implantação do parlamentarismo. E a suposta pressão vinha pelas questões das reformas de base que o presidente queria encampar e que tinham aprovação de boa parte dos trabalhadores, ou seja, a não-democracia na situação tem uma nomenclatura específica de um lado. 8. Rafael Nogueira tira a importância da resistência do Brizola quase como se o político tivesse pouco apoio e logo morreria em conflito, e por medo não acionou a vera o terceiro exército que estava com ele. Não explicitam que Jango que não quis o derramamento de sangue. O "abandono" dele. 9. A perigosa guerrilha aparece. Retomada da temática das ligas camponesas. "Terrorismo Revolucionário". Tortura e morte. Não entra no caráter inofensivo em termos práticos nacionais das movimentações de guerrilha de inspiração cubana e chinesa, com o Carlos Marighela como um dos principais artífices. Táticas que não levaram em consideração, clima, exército e território brasileiro. Araguaia fora um massacre e não um combate. Havia um despreparo tácito dos guerrilheiros frente a um exército bem treinado. 10. São postos em pé de igualdade na fita a atuação criminosa dos movimentos revolucionários ao estado brasileiro com toda sua infraestrutura e treinamento. O faz de maneira gaiata. Põe os mortos em números - 119 mortos pelas guerrilhas e 336 - 424 pelo estado. Age de forma condescendente com o estado. O que interessa aqui não é 1964, mas sim inscrever a esquerda como malefício absoluto. Os artifícios estão aqui exatamente pra isso. 11. Demonização de Gramsci e o Marxismo Cultural. Acusacionismo do genocídio das ditaduras da esquerda. O filme propõe o caminho da hegemonia cultural. Onde o Brasil "foi país foi mais gramscista do mundo", segundo Fravio Morgenstern. Ele imputa que termos de luta como machismo, racismo e homofobia são gramscistas. Sendo que a discussão surgiu antes da popularização das ideias do Gramsci. A década de 60. Nem preciso dizer o tamanho deste reducionismo. 12. Filme propõe estudantes como massa de manobra da movimentação contracultural. Mas e massa brasileira manobra da na ditadura? Doze pontos. Era pra ter dado 13 só pela putaria.

Se você chegou até aqui, pacientemente, deve ter percebido a montagem absolutamente dura e grosseira do texto. Parágrafos absolutamente marcados, com uma relação solta de estarem falando do mesmo filme objetivando relações de linguagem, história, poder e narrativa. A minha intenção era exatamente mimetizar o que senti no filme. A obra sofre de falta de unidade, também por conta da superficialidade da maioria dos subtemas, são muitos, o que acaba por avacalhar o todo. Com uma montagem temática bem episódica que consegue informar como um vídeo em blocos, mas não consegue se vender como obra cinematográfica e tudo que isto implica. Faltou aqui mais gabarito de linguagem. Creio que o discurso de informar era mais importante, como já afirmei antes, tanto que a simplicidade é óbvia e visa o alcance maior possível, ainda mais num período onde conservadores empunham bandeiras de forma mais veemente. Precisam de informação divulgada direta e supostamente bem embalada. O juntar das partes, como cinema, não encaixam como até poderiam, mas não interessa. O zunir e o coaxar são, absolutamente, mais importantes pra esta turma.

"É a mentira que de tão repetida, tornou-se história", é dito. Fabrico de uma narrativa histórica que tem o usufruto de adaptações e liberdades históricas, com fatos embaçados, conspirações e contradições. Critica o discurso de defesa da ditadura do proletariado, e usa de demagogias e desinformações quando sua narrativa caminha na criação de sua versão. A direita ultraliberal conservadora. Nova moda. Costumes de direita, mantendo a conservação social, unidos com a prerrogativa do capital que não enseja exagero do estado. Uma gororoba unida contra a esquerda, é o campo de luta que é apresentado. Ao final mostram aqueles de esquerda que foram presos. Os tais heróis maiores. José Dirceu e Lula. Os mais proeminentes presos do PT. A ideia aqui é deslegitimar o pensamento da esquerda como um todo, como se estas lideranças falassem pelo todo. Afirmar que este pensar é meramente oportunista e corrupto, que moderno, substituira o caráter assassino de outrora. “Num tempo de engano universal, dizer a verdade é um ato revolucionário", frase de George Orwell pra finalizar o longa, que bem que poderia tê-la seguido à risca dentro de si. A usa somente como simulacro de isenção de suas proposições políticas. A intenção da obra é clara. Vende sua história com seu direcionamento político. Democrático. Cada um com a sua besteira.

Texto postado (editado em alguns elementos pra cá) no site Só Mais Uma Coisa, a convite do meu amigo Elvio Franklin.

https://somaisumacoisa.com/2019/04/1964-o-brasil-entre-armas-e-livros-revisionismo-indigesto-e-desonesto/




Fogo Contra Fogo (1995)


“Não assuma compromissos com nada que não possa largar em 30 segundos se a coisa suja na esquina.” Esta é a disciplina necessária ele diz. Normalmente não começo com citações e/ou frases feitas, que assim sejam alcunhadas, de algum filme, mas que se foda.
Fogo Contra Fogo (Heat - 1995/EUA)
De Michael Mann
Nota 10,0

Uma disciplina tática, crua, brutal e escrota. Disciplinas estas (na porra do plural mesmo) são seguidas e expostas magistralmente nesta obra prima do foda Michael Mann. Ação e reação. Mann trata de pôr a porra toda numa narrativa densa e sóbria que tem a primazia de apresentar personagens e seus dramas bem definidos onde se estabelecem os conflitos centrais diretamente, porém sem a mínima pressa para resolvê-los. O que interessa aqui é o posicionamento moral frente ao absurdo cotidiano. O que é a moral? Pra quê e pra quem ela serve? Não há julgamento moral aqui. Embate.
O estabelecimento das funções e das respectivas lideranças e vicissitudes pessoais e profissionais são transpostas com um esbanjamento narrativo direto que consiste em estraçalhar quaisquer maniqueísmos diante do embate dos antagonistas Vincent Hanna (Al Pacino) e Neil McCauley (Robert De Niro). Este grande cinema é direto. Estabelece suas concepções narrativas morais e estéticas sem firulas ou frescuras fúteis e desconexas de linguagem, e sim com uma puta densidade e segurança que visa a caracterização de diferenças e semelhanças entre os dois personagens principais, e este enriquecimento só faz crescer a expectativa pros vindouros confrontos.
O elenco é primordial pra toda a construção especificada que Mann propõe, o que nos traz ao duo principal de monstros, onde a absorção deles em cena exige um olhar para trás que de forma intrigante percebemos aqui a intenção de propor este embate de lendas prestigioso de dois caras históricos ao cinema policial americano. De figuras que foram partícipes, no eixo viral da nova hollywood. Deste cinema cínico e grosseiro. Tais quais Serpico, Dia de Cão, Parceiros da Noite, Taxi Driver, Caminhos Perigosos e Franco Atirador. E esta configuração não é mera punhetagem metalinguística, e sim é um assalto oportuno e criminoso por sobre a representatividade destes caras e do cinema como mote de vilipendio moral. E este crime é genial.
Cena a 2. O embate discursivo frontal. A intimidade dialética. Pacto e conduta moral. Esta bagaceira toda está presente no café. Num inquietantemente confortável plano-contraplano vemos o encontro esperado, desde o encontro entre as lendas da urbs do cinema policial ao diálogo entre Vincent Hanna e Neil McCauley. Esta conversa primordialmente escrota mostrar-se-ia necessária para determinar o significado de onde a conduta moral extrema dos caras os leva. A angústia necessária de um pra manter-se no limiar do insuportável que o conduza firme e não o torne mais um passivo social, que neste extremo seria fatal em quaisquer empreitadas futuras. A exposição desta angústia física e mental. Há em afirmação uma disciplina obsessiva e virulenta que não pode hesitar independentemente de relações e afinidades. Frases que se encaixam em ambos e que os colocam em conflito. O sentido genial da intimidade dialética entre os dois. A mutualidade destas idiossincrasias forma o caráter, porém, logicamente, implica numa contrariedade moral que tange num ponto de civilização nos regramentos de co-existência coletiva social, afinal ainda existe um ladrão e policial. O que os diferencia não deixa a desperceber o respeito deste jogo. Mann aqui direciona a linguagem e a torna densa na relação física numa frontalidade objetiva. Aqui jaz o maniqueísmo.
Imagens a esfolar. Eu preciso citar a influência narrativa e moral do western no cinema policial e a imagética também deste último no cinema do Mann? Ainda mais quando o mesmo faz questão de expor as mesmas tanto quanto um serial killer tem tesão por vísceras. Preciso é o caralho. A exposição é tácita. As imagens arrombam. Uma fotografia de excelência com um modo operacional objetivo numa questão de perspectiva em profundidade na ação coletiva banhada em tons frios e sóbrios. Tons de uma sobriedade doentia. De uma espera pelo inevitável. O desfoque de segundos planos em determinados momentos de uma intimidade substancial denota o quão é tangível a dilaceração problemática de um modo de vida denso e decifrável pela tensão que estupra o senso comum. O pessoal e o familiar não compõem com a prospecção dos extremos. Este desfoque é a destituição tácita do direito inalienável a esta constituição familiar clássica. O extremo não permite funcionalidade plena. A escolha prevalece, e esta sempre vai ser de um azedume obrigatoriamente frio.
Não posso passar despercebido nesta fuleiragem sem citar o absurdo tiroteio deste filme. Que não se filmam tiroteios como Michael Mann no cinema já é sabido, porém abraço-me no falso exagero em afirmar que este é o melhor tiroteio que já absorvi. Para além de todo estabelecimento de uma tensão crescente, de uma espera fatal neste embate, Mann dispõe-se a dar uma aula de direção. Escolha de planos numa mise en scène invejavelmente brutal onde se corrobora com uma montagem decidida. Mann aqui estabelece um parâmetro na ação como catarse intrínseca e violentamente direcionada a uma visceralidade imponderável. A questão do inevitável é exposta na ação e reação direta das escolhas e condutas morais nas quais tanto enchi o saco citando aqui. Um ex-condenado volta ao crime, um pai abandona a família, um policial decide ir pra porrada. A morte aqui é uma referência de responsabilidade moral. Tal e qual não poderia ser mais suja e incisiva.
Os lados de uma mesma moeda explicitados em roteiro e linguagem, e o que é frontal à linguagem. O que se enxerga é a construção de imagens dos caras onde nunca estão compostos farsescamente lado a lado em quaisquer planos. O papo é reto. Sempre estão de frente. São próximos e contrários caramba. A técnica em confabulação criminosa com a narrativa. A aura de conflitos inevitáveis possui uma metodologia que dita um ritmo crescente e dialético entre os escrotos. Principalmente pela densidade via um fórceps lento, doloroso e meticuloso de fora pra dentro, buscando um discurso intenso da condição moral pela qual os sujeitos defendem suas intenções. O policial incansável que deteriora vagarosamente sua vida particular em prol do trabalho amargo e por vezes mentalmente escatológico em contato com um ladrão absurdamente disciplinado que passa a mudar sua rotina via uma interação humana inesperada. O que estas condições fazem com as pressões que os mesmos sofrem? E o já tão escrotamente explicitado código moral como age? Mann não explica. O animal do Mann violenta o expectador com as imagens. Explicação o caralho. Isto aqui é cinema. E cinema se faz com a merda das imagens em movimento. Masturbação explicacionista só é levada a cabo por incompetência e mastigação narrativa. Não tem porra nenhuma disso aqui. Quer entender como o código moral de ambos funciona? Para além do primeiro encontro físico, veja o diabo do final do filme. Não há sequência de planos mais emblemática neste sentido do que o embate físico final. Os últimos frames porra. O aperto de mãos dos antagônicos mortais diante do único fim possível.
Toda esta parafernália de linguagem pela qual me debrucei sebosamente nesta caralha justifica majoritariamente a mim o tesão pelo cinema. Este cinema criminoso e frontal que me faz escrever sobre e produzir cinema como realizador marginal que sou. O crime. Um cinema criminoso e necessário ou preciso explicar a citação do início?

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Gangues de nova York (2002)



O tal Caldeirão infernal visto da, e, pela bagaceira. A formação de uma nação moderna com todas as suas mistificações civilizatórias baseadas no sangue pútrido é metamorfoseada em cinema. E num cinema escroto.

Por Ted Rafael Araujo Nogueira
Nota 10,0

Dirigido por Martin Scorsese


Scorsese faz aqui talvez seu projeto mais pessoal, visto que desde os anos 70 buscava criar este monstro desde a leitura de “As Gangues de Nova York - Uma história informal do submundo de Nova York” de Herbert Asbury. A trajetória do seu cinema e de sua vivência numa Nova York suburbana e virulenta deram resultado neste filme. Aqui, porém, Scorsese aprofunda sua visão de suburbanidade e vai em busca do caldeirão no qual fora construída esta cidade. E é neste espectro que reside a violência histórica de seu filme. A história vista de baixo, corrente historiográfica de base inglesa nos quais alguns dos seus maiores expoentes seriam Edward Palmer Thompson e Christopher Hill. Corrente esta que tinha como epistemologia um olhar tangenciado através de um estudo sobre os fodidos e onde os mesmos estariam como agentes da história. Scorsese usa isto em similitude onde, além somente das hierarquias políticas em plena guerra civil, o foco aqui é o forjar de uma cidade sob o sangue de seus conterrâneos, sejam eles negros, chinas, brancos ou imigrantes irlandeses. Da prostituta ao político infame em vozes diversas numa grande bagaceira.

A caracterização animalesca da xenofobia grossamente justificada na existência de seus contraditórios. Uma cidade construída por todos. A natureza instintiva do humano somada à construção histórica decisiva diante o caos. Em meio a uma guerra Civil violenta, Guerra de Secessão, são mostradas as gangues urbanas que viriam a formar aquela cidade. Uma cidade feita por fodidos, como qualquer outra grande metrópole. Em conflito com a história tradicional ocidental que em tantos países dera primazia às lideranças políticas e empreendedores outros esquecendo-se da força do povão que levantara as cidades e que as transformara socioculturalmente.

A história de vingança e redenção servem de fio condutor prático, usual e coerente com a predisposição histórica americana dentro de um mosaico criacionista urbano. Onde a figura de Amsterdam (Leonardo DiCaprio) tem um percurso de vingança e redescoberta de universo no qual vamos a reboque conhecer uma esculhambação sociocultural e política pungente e doentia. Uma confusão imagética - na exposição abrupta dos mais variados tipos sociais - e sonora - na confabulação e conurbação da música diegética e extradiegética - como usufrutos de linguagem onde se encara o caos de uma ebulição urbana. E é à formação desta urbe pela qual se debruça Scorsese. A conduta da trama principal serve de linha dramatúrgica narrativa ao universo proposto. A putaria que vale aqui. A condição destas figuras existirem e atuarem depende, obviamente, do universo proposto, e por mais caricaturas e overactings que possam perambular pela fita, estes fazem parte de uma porralouquice pulsante e possível. Scorsese entende isso e usa o exagero desta premissa em prol da marretada ideológica e prática que possibilitou o vômito destrutivo de uma nova York em formação e demoniacamente sedenta. Falando em Diabo a religiosidade também é verificada como mote moral pelos conflitantes desde o início do longa e eloquentemente usada pela sede da sangria, como tanto já fora. Já que sabemos que Deus(es) é um chapa figura cativa nas justificativas humanas pra violência pregressa, seja ela física ou ideológica. O conflito religioso entre o Açougueiro e o Pastor Vallon (eximiamente bem interpretado por Liam Neeson, justificando a eterna lembrança de seu detrator diante da vitória) propõe bem esta prerrogativa onde o comando papal da Igreja católica defendido por ele é rechaçado pelo açougueiro protestante, sempre o Deus querido na moral sangrenta. Os Irlandeses já vinham de um conflito religioso em seu país e outro os esperava na sua chegada aos EUA. E ambos juram amores a Deus e pedem a ele que delicadamente abençoe seus machados e cutelos pros desmembramentos a seguir.

Um pequeno adendo técnico cito. Scorsese com sua perícia compõe um plano-sequência genial que decodifica uma linha temporal específica sobre a guerra na participação dos irlandeses. A chegada ao porto nova-iorquino dos imigrantes, dali para guerra e em seguida para o caixão dos soldados. A questão de classes aqui é ressaltada no que tange ao recrutamento compulsório imposto a população pobre diante da taxa na qual os ricos pagam para ficar fora do conflito. Desde o porto os imigrantes já são convocados a defender o país que supostamente lhes acolhe. Uma conjuntura hiperbólica teatralizada e intrigante sobre a necessidade e o usufruto dos fodidos nova-iorquinos, ou daqueles que quisessem ser.

Ordem e Caos. O marco civilizatório é tratado como necessidade xenófoba nativista pelos ultranacionalistas e como sobrevivência inquestionável pelos imigrantes, o que nos traz a uma estrutura de conflito imponderável que seria tão somente resolvida pelo estado quando a balburdia radicalizara-se por sobre as elites, quando os fodidos não aguentam mais os desígnios da pobreza exploratória e a obrigação de guerra. Luta de classes. Porradaria. Todos contra todos. A violência como expiação, resistência e modus operandi deste suposto marco civilizatório imposto. A dialética aqui se faz presente. A disposição política na qual um paradoxo é exposto e temporariamente desfeito por uma conjuntura de poder, interessante à obra, é a relação entre o ultraconservador nacionalista e racista-extremo William “Bill O Açougueiro” Cutting, Daniel Day-Lewis em estupenda personificação flagrante e brutal do nacionalista urbano extremista, e o democrata populista, oportunista e altamente pilantroso William Tweed, no qual Jim Broadbent diverte-se com toda a canalhice de um suposto democrata moderno ao qual só interessa o voto e que visa mostrar ao Açougueiro que ele está ultrapassado e que o futuro depende mais das alianças política em amálgama escusas do que a violência de comando pelo medo. A política necessita das bases populares que instituem a violência mas faz do usufruto da contrapropaganda com a elite para deslegitimar esta mesma violência. O vai-e-vem das alianças depende incomensuravelmente da manutenção de uma imagem democrática acima de tudo que independe da práxis da mesma em relação voto, e sim da contagem escusa dos mesmos. Pobres úteis na pilantragem do voto. Política em seus usos de valores existentes apenas como uma puta farsa em prol de resultados próprios. Uma permanência histórica aos moldes atuais pelo globo da ala democrática. Levando em consideração os períodos, tempos e espaços históricos dou-me a liberdade para o frescar, a figura de um possível vírus pré-pmdbista pode ser notado na figura de Tweed por puro sarro. Um microcosmo partidário da democracia moderna.

Por fim há aqui um inferno de escrotos formando uma cidade. Não há glória. Não há vencedores. A anonimização feraz deste povo, que construíra a cidade, é ressaltada no plano final. A história tradicional continua e o povão nas entocas assim fica.

John Wick - Um Novo Dia para Morrer (2017)


Baba Yaga. A porra do caralho do Baba Yaga. Segunda e grosseira incursão escrota de John Wick no cinema. A continuidade do esculhambatório perpetrado por Wick em seu universo peculiar. Não vou perder tempo fazendo sinopse de bosta nenhuma. 

Por Ted Rafael Araujo Nogueira
Nota 9,0

Dirigido por Chad Stahelski e Derek Kolstad.

Chad Stahelski e seus comparsas são cientes do que querem e moldam sua obra com uma monumentalidade intrínseca do gênero. As grosserias reverberadas por atitudes infames. As consequências. Todo um conjunto de regras como definição de uma existência específica. A vingança extenuada é re-transformada em modo de vida. O cara voltou e não para uma fuleiragem temporária, mas agora é movido pela sobrevivência e no urro de raiva John sabe que só sai deste universo morto. Mas que se foda a vagabunda prostituída da morte. Se vier que seja à sua maneira.

Logo de cara Chad Stahelski estraçalha. John em seu modus operandi ligado materialmente ao que restou de sua vida na curta temporalidade de aposentado. Seus pertences primordiais e fetichistas. Um deles, o carro. Aqui o diretor demonstra insuspeito trato imagético em cenas cruas, tais quais existem no primeiro, e, assim como este último, a ideia não é revolucionar nada, mas sim ser claro na proposta. E a execução é concatenada por excelência. Uma ambiência já conhecida. Já sabemos quem é o Baba Yaga então aqui expande-se o universo para um trato digno que o cinema de ação merece. Aqui não tem masturbação desnecessária de linguagem. Tem uma conscientização identitária em Wick assim como a pertença e representatividade concisa de uma brutalidade de um filme de ação. 

O sentimento de pertença ao vil, na verdade, nunca deixou de existir em John, sua esposa seria um bálsamo para uma suposta vida torpe, e sem sua mulher a linha tênue para o retorno da aposentadoria era óbvia. Consciente desta possibilidade Chad Stahelski a explora trazendo outro ponto caro em filmes com esta envergadura de proposição em perspectiva, carregando uma aura clássica dos westerns aos filmes de ação ignorante das décadas de 70 e 80: O código de Conduta. A honra entre os animais. As regras. Quando John visa quebrá-las seu universo embrutece e o traz para o seu colo de sangue, tripas e miolos. Uma maior contribuição neste sentido, se é que é possível O pacto de sangue como motivação pra John foi uma decisão suja é sabia da direção, porra, para que coisa mais cafajeste do que esse troço mafioso de honra entre assassinos, através do sangue ainda mais? John é uma força brutal de determinação e violência e, como tal, existe mediante o procedimento de uma vida árdua de regras duras para o bem e para o mal. Códigos seguidos e homenageados desde o primeiro filme, onde um estilo de vida é seguido no respeito e defesa de sua individualidade instintiva dialeticamente com a racionalidade louca de um assassino em sua forma. Tal qual Marcus (Willem Dafoe) no primeiro longa luta para morrer à sua maneira. Gianna Marchesi (Claudia Gerini) assim o repete. Identidade. Pacto de sangue e vísceras. 

"I'm Back" porra. 

Identidade de novo. John é um copo vazio quando se porta na aposentadoria, o caminho para a mesma é vermelho e o copo enche-se de sangue e sabemos quem é John Wick e como a escapatória final deste universo parece fugaz e rasteira. Aqui um rambo moderno, onde similar ao Rambo 4, John Wick tem consciência do que sabe ser de melhor, mesmo que isto custe sua vida. Que se fodam as existentes lamentações. O universo clama? Nada mais interessante do que o clamor do retorno consciente num mundo de espelhos. Decididamente brilhante a homenagem a “Operação Dragão” com o Bruce Lee. Ou seria à Orson Welles? Junção caralho. Até nas referências o filme diversifica-se do óbvio. Os espelhos não servem aqui para confundir, mas, sim, confrontar-se e estabelecer o controle de si nas suas prerrogativas primordiais de existência. Voltar botando pra foder. 

Esta formatação identitária me soa como uma metalinguagem de um cinema sujo, sombrio e necessário, principalmente em tempos politicamente corretos e covardes. Onde educação, cultura e sociabilidade tem de passar pelo crivo das amarras do correto, onde se conurba/conturba e manobra o meio social. Foda-se. O filme busca contrariar a estupidez e sem perder espaço mercadológico. A substância é mantida e todo o fetichismo, no qual citei somente o carro anteriormente, mas perambula a obra inteira. Os apetrechos de preparação ante o holocausto, as perseguições de carro, a extensão fálica dos armamentos. Estes fetiches são usados de forma seca, sem desvios éticos ou frescuras outras. Orgulhosamente. Aqui é filme de ação cacete. Botando o pau na mesa.

O absurdo funcional da crueza de sentido e forma da ação impressiona. Keanu Reeves encarna um personagem duro que dentro de seu escopo físico tem uma presença primordial. Os trejeitos insinuados detalhadamente são méritos invejáveis. A determinação do ator é premiada pela direção segura. Não é um cala boca pros críticos mediante suas performances dramáticas já criticadas. Simplesmente um “vai te lascar” que o lance aqui é na porrada. 

Inteligentemente o filme expande seu escopo espacial de forma a dar margens à possibilidades de ação que serão exploradas. Esta expansão serve como uma proposta de ação numa ironia sagaz. O instintivo bárbaro e brutal destituindo a clave civilizatória na qual gângsteres escrotos propõem uma paz e domínio após o sangue de milhares estabelecidos nas eras. Tais quais tantos figurões ocidentais, historicamente, assim já também o fizeram/fazem/farão. Nada mais justo do que boa parte da esculhambação toda se passar num museu moderno com figuras greco-romanas clássicas, representantes de uma civilidade conseguida mediante muito sangue jorrado que vai ser desordenada quando um subalterno, pressionado até o limite, desafia o sistema. Planos em contra plongée deixam isto claro, a imponência da arte elitista sendo pintada de vermelho e tripas. Uma amostra do barbarismo existente no qual não significa o caos, mas sim um contraponto à civilidade farsesca que nutre mentes e crê num recesso dos instintos, porém somente diante dos atores e demagogias certas. O civilizado dita uma ordem de existência de regras que fundam sua estrutura e quando as mesmas são quebradas as consequências devem ser escrotas. Santino D’Antonio (Riccardo Scamarcio) representa o elitismo citado na utilização escusa destas regras. A busca pelo poder com o usufruto armas barbarizadas com o intuito de um marco civilizatório farsesco sobre o sangue alheio, assim como a tão citada missão impossível que Wick teria disponibilizado a fazer ante seu pedido de aposentadoria. Neste ponto Winston (Ian McShane) age como artífice de uma devida e buscada imparcialidade na manutenção destas regras, porém, sabendo mexer determinados peões no que tange a manter Wick encaminhado na putaria, assim como fora no primeiro filme. Nada é preto no branco, o direcionamento fílmico é objetivo mas não imbecil. As regras citadas de maneira exagerada pelo animal que escreve isso, aqui existem rígidas, mas, nada mais interessante do que um desequilíbrio no domínio das mesmas. Principalmente quando se reverte a porra toda em cima de um mandatário filho da puta exemplificado em Santino. Um longa como uma resistência enveredando-se num nicho de filmes primordiais e primais onde “não se desperdiçam palavras” como é dito por Santino sobre John Wick. Sem enrolação ensebada e desnecessária. Um cinema honesto. 

Falando nisso já chega de desperdiçar palavras de merda. Assistam a porra do filme. 

Star Wars episódio VII - O Despertar da Força (2015)



Star Wars episódio VII - o despertar da força. Mais parece que a força não despertou e está com preguiça de acordar. Uma puta ressaca.

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Direção: J.J. Abrams

Sinopse: Cópia do episódio IV.

Saudosista, cheio de referências e respeitos para com a trilogia original, tão religiosamente respeitada pelos fãs xiitas ou não. Personagens icônicos reapresentados para o apelo nostálgico somente (Léia que o diga) em tela, excelente apuro visual. E o que mais, além disso? Nada de novo no front.

Star Wars VII só corrobora que Abrams é mais um na multidão com trejeitos de fã e algumas qualidades técnicas para a ação aqui e ali, porém não consegue sair da homenagem/autoplágio da saga para algo mais novo (ou pelo menos convincente) e palpável, com roteiro que vá além do ordinário, como este último não o faz, diga-se de passagem. A preocupação do cara em cultuar a série o fez esquecer-se de transpor uma narrativa mais coesa e minimamente original e interessante. Competente ao menos. Não ficou nem no quesito de reciclagem, virou uma cópia descarada do primeiro filme de 77. Senti falta do George Lucas mais corajoso e inteligente da trilogia dos anos 2000, que tem suas falhas sim, mas é infinitamente superior em termos de direção (apesar dos excessos), narrativa e roteiro, pra ficar somente nisso.

Um filme com ação competente dentro do universo. Nada mais.

Porra mesma conversa de estrela da morte de novo, terceira vez e com aquele ponto fraco clássico pelo meio da estrutura e tal... Próximo filme nova arma. Constelação da morte ou universo imortal? E a porra do nome dessa última? Starkiller... Homenagem ao suposto segundo nome de Luke, antes de Skywalker, mas serve como alcunha imbecilóide e infame. E que resistência fuleragem. Ganha a guerra do imperador e do Vader, mas não conseguem descobrir mais nada sobre a nova estrela da morte. Porra Léia. Aliás, Diabo... Resistência infinita... Déjà vu fuleragem. Além de não ter competência pra trazer a democracia à baila nem prestou atenção no rejuvenescer da ala imperial radical alcunhada de Nova Ordem. Esta por si só é uma aberração unilateral nazifascista mal explorada. A ideologia de compor um treinamento escroto e radical em um stormtrooper desde idade tenra é interessante que abre para um mar de perspectivas de aprofundamento destes personagens, pena que tudo ficou basicamente no plano teórico (usufruto seboso para o piadista Finn). Esta questão foi muito melhor aprofundada em o “O Soldado do Futuro” (1998 de Paul Anderson). A composição do discurso da Nova Ordem a La Hitler é de fazer rir de tão genérico e estúpido. George Lucas não é um cara de grandes sutilezas, mas sabia como montar estratégias na composição de seu universo na concatenação maniqueísta de heróis e vilões com seus subterfúgios que funcionavam bem. 

Matizados. A personagem Rey, por exemplo, do nada já sai metendo a chibata em todo mundo sem ter a porra de treinamento algum, mas a força dialogou com ela. Aí dentro. Nunca o subterfúgio do uso da força foi tão óbvio, superficial, avulso e idiota como nesta personagem, que chora de 5 em 5 minutos buscando a empatia do público de forma forçada. E olhe que a atriz é até boa. Finn. Que cacete de personagem tapa buraco besta é esse? Um alívio cômico medíocre que não funciona de forma alguma e serve como mulambo pra ser jogado de um lado a outro na narrativa sem consistência alguma. E tinha um puta potencial como o stormtrooper refugiado, porém é um zelador que sabe como destruir toda uma estação espacial. Ok. Uma pena, diante de toda a conjuntura gerada por um personagem negro (que gerou debates e comentários racistas imbecis) ter grande destaque numa saga tão absurda e ser o bobo da corte. Até a morte de Han Solo (Ford como o Mestre de sempre dando um ar de humor mais anárquico diante do humor infantil que é dado ao longa), vendida como ato de coragem de seu diretor, vira mera cópia da morte de Obi Wan, não antes que Rey veja isso tal qual Luke vira a morte de Obi Wan, se manque J.J. Além de ter perdido uma grande oportunidade em ter um conflito ideológico/familiar entre pai e filho com alguma envergadura de consistência narrativa. Kylo Ren. Menino mimado, com treinamento até avançado que leva uma surra de uma iniciante, que nunca tinha pegado em um sabre de luz. Definição bem óbvia. O Anakin de George Lucas nos episódios dois e três foi infinitamente melhor desenvolvido (dois atores ruins quase que em pé de igualdade). Tem um exagero desses mimos em Kylo Ren, mas ainda há um potencial pra ser trabalhado. E olhe que achei até legal e curioso ele não ser deformado como o Vader, mas o Abrams nem nisso não se livra do repeteco e dá a ele uma cicatriz na cara ao fim do filme, para ter um arco dramático mais próximo ao de Vader. Putz... O fato de ele ser inexperiente, em transformação causa interesse, pena que não cresça tanto além do jogral teórico. A perspectiva é que a saga cresça nos contornos deste personagem, se formos muito otimistas, e no tratamento que será dado em Luke Skywalker. Provavelmente a acomodação poderá tomar conta de tudo. Supremo Líder Snoke, este parece uma cópia simples de Darth Sidious, mas pode ter um truque guardado na manga diante de toda sua aura de mistério. Pode vir a ser o Darth Plagueis, que treinara Sidious e supostamente teria sido morto por este último, porém que com sua manipulação da força pode ter sobrevivido. Porém esta é uma conjectura muito otimista também. Pelo que fora feito neste filme nada dos episódios I, II e III seria levado em consideração. Fiquemos na torcida. 

A parte técnica merece respeito, neste quesito o simbolismo na tentativa de um resgate visual da trilogia original funciona bem. A fotografia suja, a direção de arte detalhada relembrando ambientes anteriores, como na reconstituição da Milleniun Falcon traz aqui uma boa homenagem. Os efeitos visuais e sonoros primorosos, que impressionam pelo realismo. Destaque para o plano-sequência de combate em perspectiva à figura de Finn por nave pilotada pelo personagem Poe Dameron. Porém tudo aqui na obrigação por competência. Trilha sonora sem grande destaque, somente a reutilização de temas conhecidos do mestre John Williams, que fora isso não criara algum tema novo que se destaque. 

No saldo geral perde-se em suas homenagens e traz um material repetitivo por demais que não chega a ser competente como obra completa e sim, somente, com destaque na parte técnica e no bom usufruto de algumas simbologias nostálgicas nas figuras de Han Solo, Chewbacca. Pouco para o que prometia. Os fãs xiitas esperneiam, mas a ideologia política tão bem explicitada nos episódios I, II e III fez falta, assim como este usufruto não tão forçoso nos episódios IV, V e VI. A inovação técnica, a coragem inicial de Lucas, apesar de querer grandes arroubos era demais. Aqui há somente um estudo esperto de produto vendável sem propor passos mais sagazes para a sétima arte. Um produto que visa a emoção fácil e a diversão barata. Já funcionou pelo lucro que obteve. 

Star Wars serve como prova da falta de criatividade do maisntream americano. A filosofia preconizada por George Lucas e que rendera um monstro artístico de proporções e tentáculos absurdos foi diluída a um produto capitalista por demais simplificado em sua constituição artística. Logicamente que os outros tinham esta prerrogativa, mas Star Wars diferenciava-se sempre pelo apelo de seus personagens formidáveis, por mais que a questão maniqueísta estivesse na cara, de forma competente. Isto sem comentar, novamente, na coragem de denotação ideológica política de alguns filmes. Tudo isso foi jogado fora somente para uma adesão masturbatória os arquétipos estabelecidos pela saga. Pouco. Agora sabemos que em termos de sci-fi não podemos cobrar demais de Abrams. Neste filme o cara se mostrara como mais um nerd com alguma qualidade que tinha um puta material que criou um caça níquel competente. Já nasceu fazendo dinheiro e diverte aqui e ali, mas é meramente esquecível, infelizmente. Diversão passageira, cheia de furos por sinal. Como obra cinematográfica, mesmo no quesito diversão pura e simples ainda fica atrás dos outros. 

O mais fraco da saga.