Postagem em destaque

1964: O Brasil Entre Armas e Livros (2019)

Documentário revisionista que busca impor uma narrativa histórica própria que deslegitime a vasta bibliografia sobre o tema, consid...

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Mestres Loucos



Documentário etnográfico pancada onde Jean Rouch expõe o entrechoque sociocultural e político escroto do imperialismo inglês com o continente africano na figuração de um ritual como simbolismo à violência capitalista estrangeira.

Dirigido por Jean Rouch 
Nota 10

Por Ted Rafael Araujo Nogueira

Jean Rouch. Grande diretor inovador de documentários etnográficos via antropologia, que buscava uma nova visão e distinção do outro a ser filmado. Aqui em uma de suas melhores e mais chocantes obras.

O trato acerca das relações dialéticas entre dominadores e dominados através do viés cinematográfico. Mestres Loucos. Rouch compôs-se como um dos criadores do cinema etnográfico buscando uma perspectiva sociocultural que fosse voltada para entrechoque cultural do cinema para com as classes populares. Estas filmadas por ele em uma disposição entre o homem e seu meio social, diante de suas elucubrações imagéticas acerca da vivência dos povos africanos sob o jugo imperialista. Neste caso o Imperialismo Inglês na Costa do Ouro (renomeada como República do Gana em sua independência em 1957). 

Um ritual. Seita dos Haoukas. Onde são expostos, inicialmente, os conflitos entre os jovens quando aportam na cidade de Acra (principal cidade da Costa do Ouro) e diante do reflexo violento que o imperialismo causara nessa civilização, os cidadãos são expostos por Rouch em seus afazeres do dia-a-dia. Acra pode ser considerada como um microcosmo da exploração existente na Costa do Ouro no período dos anos 50 onde a representação das criaturas humanas são compostas por trabalhadores explorados nas mais diversas funções dos labores da cidade.

Somos conduzidos para fora da cidade onde será expresso o ritual proposto. Rouch já expõe seu modus operandi analítico aqui explicitando aspectos de intenção do ritual nos mostrando algumas influências visuais imperiais inglesas, como a figura, em forma de um boneco, do “Governador”, figura representativa do controle de Acra. 

O castigo aos pecadores é proposto para que se tenha uma purificação ritualística, que logo após começar-se-iam os transes corporais de vários componentes dos Haoukas em figuras análogas do imperialismo britânico (figuras primordialmente do fim do século XIX). Aqui já somos contemplados pelo aspecto extremamente hierárquico militar do imperialismo onde peças como “Governador”, “General”, “Tenente” são algumas das quais reagem e regem o ritual de forma a respeitar plenamente a hierarquia de suas posições. Uma encenação da ordem colonialista é explicitada aqui. Uma espécie de absorção cultural é vista como um confronto dialético diante da questão das vivências dos Haoukas em Acra. 

Fica clara a crítica de Rouch quando ele expõe um trecho de um desfile britânico comparando-o com o ritual Haouka e como os mesmos se assimilam em seus devaneios por controle de estado e situação. 

A dominação cultural/política/econômica/social é posta em claras vias aqui exatamente neste transe onde se enxerga o adentrar de uma determinada cultura pela força em outra. Ao invadir e buscar controlá-la, a afetará nos mais diversificados aspectos. Mesmo em rituais tribais mas específicos, onde visar-se-iam transpor tradições concatenadas, em nível subconsciente dos afetados, por partícipes oriundos da exploração inglesa. Podendo afetar, assim, a força de uma questão identitária. 

Rouch e sua câmera na mão. O ideário que o Cinema Novo brasileiro tanto defendia, e este cara já manjava dessas putarias (que realmente serviram de referência à vertente nacional). O autor usa sua câmera incessante e poderosa (curioso saber que Rouch creditava ser mais fácil filmar em cores por se achar um péssimo fotógrafo para o preto e branco e por buscar mais praticidade) para ironizar as questões dos anseios à trivialidades do aporte dominante inglês onde identifica alguns motes dentro do ritual. Como uma reunião a respeito da limpeza de um palácio, onde há discussões sobre como está o palácio e quem será punido por ele estar com algum problema. Aqui numa clara alusão às questões dos devaneios nas intrigas administrativas palacianas de cunho imperial. 

O radicalismo de Rouch ao filmar o sacrifício do cão é salutar. A uma certa altura o ritual pede um sacrifício com vias a se fortalecer os Haoukas na conjuntura do deleite de se comer um cão, que por ser proibitivo e, assim, sendo tabu representaria a tais comedores maior força para os Haoukas. Esta representação dialoga com a constituição análoga do controle imperialista no que tange ao imperativo no relacionar hierárquico novamente. Acerca do sacrifício animal, partes corporais do mesmo são escolhidas para alguns membros de maior poder enquanto um dos participantes questiona que o animal deve ser repartido com quem não presenciou o momento. Sempre visando a questão do usufruto das questões de cúpula de controle. 

A questão hierárquica como crítica de Rouch aqui como o cerne principal, realmente da obra sempre identificado no transcrever cultural no aprofundamento das relações.

Ao fim do ritual é demonstrada sua veemência crítica no direcionamento comparativo das figuras sociais com seus respectivos personagens de transe. Onde o personagem “General” é representado no ritual por um policial de Acra, aqui numa alusão, as já referendadas aqui, situações análogas do ritual com as formas de dominação estrangeira. Uma questão de influências e trocas dentro e fora do transe de maneira subconsciente. 

Assim é proposto que não existam ainda “remédios” que componham uma forma de pôr estas pessoas em sociedade sem explorá-las. Onde viesse a existir uma justa associação em sociedade. Coisa que até hoje os ranços dos conservadorismos reacionários atrelados ao crescimento do capitalismo desenfreado não deixam enxergar, ou minimamente nem visam buscar entender as necessidades e os anseios do outro. Botou pra foder Jean Rouch.