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domingo, 16 de março de 2014

Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013)

Desespero pela vida. Grande mote deste filme que visa, honestamente, um tratamento adequado ao tema da AIDS como pertença social nos anos 80 de maneira clara, sem muito dramalhão como alguns preconizaram que nele existira. Como sobreviver a uma doença ainda em conhecimento onde em seu próprio país há preocupações corporativistas outras em detrimento da situação propriamente dita dos soropositivos? Esta é uma das indagações observadas e feitas por este belo filme de Jean-Marc Vallée. 

Em pauta os percalços do eletricista Ron Woodroof (McConaughey) apostador de rodeios de vida, por muitas vezes, desregrada que descobre ter AIDS e passa a lutar pela sobrevivência tendo de lidar com empresas farmacêuticas no seu rabo por ele usar remédios não aprovados pela FDA - Food and Drug Administration (instituição que regula a legalidade de alimentos e medicamentos nos EUA). Por esta perseguição Ron passa a importar remédios considerados ilegais pela FDA e cria um Clube de Compras de medicamentos pra suprir as necessidades dele e de tantos outros soropositivos.

Há inicialmente o tratamento preconceituoso por boa parte da população, neste caso, os conhecidos de Ron, que o tratam como homossexual e pervertido, além de um nojo por uma doença desconhecida. Estes aspectos servem mais para compor o universo difícil no qual Ron (em queda brusca) está empregado do que uma crítica mais incisiva a estes mesmos aspectos. O veneno fora guardado para outras instâncias. Este preconceito aplicado servira mais como catapulta de expulsão e queda de Ron para uma busca por sobrevivência dos tais medicamentos fora de seu ambiente.

A visão dada acerca do homossexualismo é dolorosa e sem devaneios melodramáticos. Nos traz o sofrimento de muitos desses marginalizados sociais, que além de já serem tratados como excluídos buscavam lutar por sua sobrevivência diante de uma situação por demais implacável e deveras insustentável. E este tratamento é dado de maneira vigorosa e honesta, buscando sempre um discurso voltado contra o preconceito sexual. Logo deixando à vista as intenções acerca de que os erros e acertos dos mesmos deveriam independer do tal preconceito sofrido por eles, mesmo que se compreenda não-anacronicamente a situação temporal explicitada. Uma luta contra o tratamento desumano pelo qual os homossexuais soropositivos dos anos 80 e começo dos 90 (muitos até hoje, logicamente) passaram. 

O maior veneno fora deixado para a crítica social e econômica, que aqui é bastante direcionada e clara. Seria exatamente aos conchavos entre instituições médicas e empresas farmacêuticas. Onde a FDA e diversos hospitais se beneficiam destes conchavos em que as farmacêuticas acabam por possuir determinado monopólio de um medicamento específico tratando-o de maneira experimental a seu bel prazer. Além de aproveitar-se da situação “semi-cobaia” de muitos doentes, utilizado-se da urgência de momento da doença como fator de confusão sobre a funcionalidade de tais medicamentos, que aqui o explicitado seria o AZT. Todo este processo escuso e desumano é mostrado de maneira explícita, onde até o humor de tais ironias (americanos subvertendo a lógica do imigracionismo em busca de sobrevivência) diverte e assusta devido a desumanidade de alguns perante o desespero coletivo. O corpo humano como subalternidade do corporativismo médico que transpõe hipocrisia num farsesco salvacionismo que põe o AZT como grande esperança à cura da doença é tratado em pauta a todo instante aqui e sempre mostrado como um dos motivos óbvios de boa parte da mortandade e dos maus tratos aos soropositivos. Não seria de hoje os problemas americanos com a saúde onde o caso da falta de um sistema de saúde pública sempre vem a baila nas discussões acerca do tema.

No caso da exploração dos soropositivo via AZT bastar-se-ia sim encontrar a dosagem certa do mesmo para uma sobrevivência dos infectados. Porra. Os remédios naturais externos (comprados no México) já ajudavam mais que o próprio AZT em um período. Futuramente ele funcionaria em dosagens bem menores e com outros produtos, muitos dos quais anteriormente proibidos pela FDA. Porém ao AZT, em fase de testes, não era lhe dada a certeza plena de funcionamento, mas o tal funcionamento dos remédios naturais mexicanos era claro. É aqui o claro conflito. Melhor morrer diante da tecnologia médica escusa, errônea e homicida americana do que qualquer apoio (no exemplo mexicano logicamente) de um país vizinho com problemas históricos e políticos com os EUA. Isto somado aos já diretos aspectos empresariais embutidos de maneira lógica. 

O roteiro é direto, cartas na mesas logo de cara, sem muitos subterfúgios. Onde o combate dos doentes contra as empresas é galgado de maneira próxima juntamente buscando expor as dificuldades da doença, os já citados preconceitos acarretados por ela, e as maléficas ambições corporativas mediante a destruição humana (de certa forma um clichê já utilizado em vários filmes, porém aqui a direção, o humor irônico e os 2 atores principais nos fazem permitir tais repetições numa boa). As liberdades tomadas pelo roteiro só enriqueceriam a trama (o personagem esplêndido Rayon de Jared Leto, por exemplo, é fictício) e comporiam camadas metafóricas outras (como na montaria do touro ao fim do filme). 

As duas atuações principais. Matthew McConaughey como Ron Woodroof (que encabeça a luta/tráfico pela sua sobrevivência) e Jared Leto (como o travesti Rayon) compõem estupendas performances em composições dramáticas tridimensionais que vão do desespero, raiva e solidão ao humor irônico e ácido escroto de maneira totalmente corrosiva e natural. Além é claro da impressionante composição física de ambos que impressiona. Interessante também por serem atores de trajetórias distintas. Matthew transformou sua carreira após Killer Joe e Jared estava dedicando-se a sua banda quando se envolvera neste projeto. Ambos foram impecáveis nessas difíceis composições ajudados pelo ótimo roteiro que os acompanha e lhes da a liberdade e espaço necessários para quaisquer enfrentamentos de situações. 

Parte técnica coesa e sem firulas. Da boa montagem a divertida trilha sonora. Onde a fotografia se prontifica a desnudar os personagens sem nenhum maneirismo visual triunfalista.

A imprevisibilidade conjunta da vida. Ao final a tal analogia interessantíssima que eu explicitei parágrafos atrás, que em sua última cena o eterno apostador Ron decidiria cometer a última aposta. Montar em de seus touros nos quais sempre só apostava. Moldando aqui o formato de como um peão de rodeio poderia representar indistintamente um microcosmo da vida humana mediante grandes vicissitudes perpassadas por seu árduo caminho. Onde numa hora se acha que está no total controle e um segundo depois o touro pode te rasgar no meio.

Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira