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segunda-feira, 17 de março de 2014

Bang Bang, 1971. de Andrea Tonacci.


Bang Bang. Cinema Marginal. Um filme que viria a preconizar um combate às convenções culturais ortodoxas sejam elas políticas ou estéticas, uma severa crítica ao institucionalismo e a histeria social da classe média, assim como a apreciação a liberdade sexual, a contestação artística em busca de uma liberdade total da forma. 


Apesar de que o filme possa ser caracteristicamente analisado como desconstrutivo, o longa viria a possuir um forte aspecto formal em sua filtragem, com planos-sequências bem estruturados diante de uma excelente fotografia que extrai ao máximo as ambientações sejam elas internas ou externas e a não, ou pouquíssima, utilização da “câmera na mão”. Tonacci preconiza exatamente este aspecto formal para desestruturar a narrativa em uma miscelânea dicotômica entre o formalismo estético e o radicalismo de conteúdo. 

O filme trata da história de uma pequena quadrilha de excluídos e seu convívio nada convencional é mostrado de maneira ainda menos usual e improvisada. Exatamente porque uma das forças motrizes de Bang Bang é a construção do próprio método durante o filme em uma maior preocupação com o processo do que com o produto. 

O tom irreverente de avacalhação é explicitado de maneira constante de várias formas dentro de sua duração, como por exemplo, a conversa inicial (extraordinária) no táxi, que é hilariante pelo deboche e intrigante pelo aspecto metacinematográfico crítico envolvido, que a meu ver, traz uma característica possibilidade metafórica. Esta seria a de que o taxista representaria a indústria cinematográfica brasileira geral, que não conseguiria compreender e, principalmente, aceitar toda uma gama de características do passageiro, representante análogo do próprio cinema marginal, que procura pôr em prática sua vontade intrínseca de existir e não se preocupa com amarras sociais e estéticas. 

Alguns momentos a serem refletidos, também, são aqueles nos quais as câmeras aparecem propositalmente numa brincadeira de Tonacci com a própria linguagem como na cena em que Paulo Cesar Pereio se barbeia com a máscara de um macaco, e vira-se olhando para a câmera. Percebo aqui uma noção do diretor em expor seu modus operandi em uma espécie de diálogo representativo com o espectador. E creio que Tonacci se aproveitara desta oportunidade para mostrar mais uma de suas facetas metodológicas de caráter rebuscado e combativo à algumas formas de estética vigentes no cinema brasileiro do período. Uma edição feita por mim agora anos depois. A quebra da quarta parede de Tonacci - eu havia esquecido esta denominação. Uma das mais belas já filmadas. O que ela representa: "Sou um escroto e daí? Este país também o é." 

A sonoridade transmitida seria de uma total consciência do diretor para causar uma profusão sintomática de sons com a intencionalidade de causar uma confusão no espectador, a meu ver, em uma analogia ao cinema brasileiro geral e à política do país. A trilha sonora irreverente traz um tom de organicidade paradoxal com as imagens no que tange a esta confusão que eu já citei. Percebemos uma conjuntura de imagens e sons que a princípio parecem desconexos, mas, propõe-se (acidentalmente? Duvido) a ser um mosaico sócio-cultural representativo do país. 

Diante da queda das ilusões frente a truculência rechaçatória por parte do governo federal diante do cinema, Bang Bang demonstra sua face escrachada frente às adversidades encontradas e, além disso, acredito que toda a exacerbação da quebra de paradigmas estéticos possa soar também como uma brincadeira em forma de uma confusão que viria a metaforizar o período político e suas violentas nuances tendo na população brasileira a carga sintomática desta confusão. 

Os personagens. Desde sua explosão a vertente marginal já demonstrava seus personagens como seres marginalizados como em Bandido da Luz Vermelha, Matou a Família e foi ao Cinema, além do próprio Bang Bang. A dualidade artística clássica entre bem e mal é metamorfoseada como uma espécie de conjunto estrutural de personagens marginalizados. Em vista: um pistoleiro cego, um travesti e outras figuras estranhas à (e excluídas de) nossa sociedade de outrora, e que no caso do travesti, o diretor mostra audácia ao retratá-lo, diante de todos os intensos preconceitos sexuais que isto poderia acarretar. Mas era isso que Tonacci queria... O choque. Atitudes que agiam como uma força de expressão que buscava exatamente a liberdade criativa, sem se preocupar totalmente com o aspecto mercadológico do cinema (porém paradoxalmente querendo ser visto).

Por fim Pereio (em estupenda personificação). Tonificar seu personagem, que perpassa o filme inteiro em caminhadas e canções, significaria demontrar que em ambos os momentos ele está sozinho, o que simboliza a solidão do ser marginal. Dar voz a estas criações é uma intenção chave para o diretor diante de sua ideologia rebelde a procura de uma transformação inacabável.
Nota 10

Tonacci. Dane-se. Cinema.

Por Ted Rafael Araujo Nogueira