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domingo, 16 de março de 2014

12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, 2013)


A valorização da liberdade.

12 Anos de Escravidão. 2013. De Steve McQueen. Filme baseado em fatos reais que, provavelmente, chega pra ser um dos divisores de águas americano dos filmes sobre o tema em questão. 

Trata-se da história do ex-escravo Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) que é sequestrado, vendido e posto de volta a labutar como escravo, no que viria a passar, novamente (pois já era alforriado), pelas mais diversas provações e humilhações sempre buscando, quando vê alguma oportunidade de provar, que, de fato, és livre. 

Filme brilhante ao que se propõe. Roteiro direto, conciso e seco, baseado em autobiografia de Northup, onde aqui as liberdades criativas do roteirista John Ridley e do próprio Steve McQueen não interferem no absoluto poder seminal desta significativa obra/denúncia. Aqui uma proposição é buscar um caráter de abordagem realística positiva (apesar das liberdades de Fassbender em seu overacting enriquecedor, por exemplo) sobre o que significou a escravidão tendo a situação vivida por Northup funcionando como uma espécie de microcosmo do mosaico escravagista. Neste quesito o filme impressiona pela busca por um realismo seco sem melodrama, onde o horror da escravidão é mostrado de forma crua. Assemelhando-se nesses aspectos a tantos outros longas sobre conflitos outros, como já o fora mostrado o terror da guerra do Vietnã em Platoon, por exemplo, porém sem a tamanha violência deste. A semelhança aqui é mais por alguns aspectos, por assim dizer, semi-documentais. 

Para uma fluência acertada deste grande roteiro a direção de McQueen teria de se comportar da mesma forma compactuando das já citadas secura e crueza. Assemelhando-se a um formato de documentário sem estilismos exacerbados, que cabem sim em filmes como Django de maneira eficiente por sinal. Exatamente por Django possuir outras características, possibilidades e direcionamentos, porém com similitudes críticas a elementos da famigerada escravidão americana, com uma troca de denúncia sarcástica para transposição clara de sentido e conjuntura escravagista (enaltecendo os 2 aqui). 

O que achei clara foi a intenção de McQueen em criar uma atmosfera quase que insustentável, mais passível a concatenações e falhas humanas, e não tão somente vivida de carrascos mecanicistas. Uma busca pelo real que busque não chocar o espectador somente. A violência está lá como elemento pertencente a um determinado período e a sua ambiência. Buscando sempre um sentido não-anacrônico em nenhuma passagem. A opção aqui, em relação a este período, é sim afrontá-lo, trazê-lo ao debate, prover argumentações. Promover força de sentidos, trazer o sangue e discutir a preponderância do poder da libertação humana e sua importância de existir. 

Elenco. Atuações soberbas em sua maioria, começando por Chiwetel Ejiofor, no difícil papel principal, onde o ele nos traz uma intensa força ao papel fugindo dos clichês de vitimação inoportuna, e sem nenhum tipo de caráter triunfalista. Todas as camadas, desde o desespero ao triunfo final, são perpassadas por Chiwetel de forma categoricamente natural e segura. Sem firulas como o filme já o é. Michael Fassbender mostra o já habitual talento, neste caso até para o overacting citado, que aqui funcionou bem, apesar do clima do filme parecer não permitir tais intentos, mas Fassbender não nos traz a caricatura em si, e sim, uma proximidade da mesma (por mais paradoxal que isso possa ser) com exageros humanos ao limite do aceitável. O vil Edwin Epps, explorada sua fraqueza de caráter onde impõe sua força ao preço de qualquer situação, principalmente sexual, e isso é demonstrado com muita garra e pavor. Excelente. Porém creio que a grande atuação do filme seja da queniana Lupita Nyong'o, em papel de escrava sexual extremamente difícil onde não se deixa em momento algum que transpareça um situacionismo farsesco por demais. Assustadora a sua cena rápida de tortura. E assim como em Solomon (ou até bem mais que ele) nenhum tipo de triunfalismo inútil. Excelente opção do diretor no trabalho com esta surpreendente atriz. Representante de alguns dos maiores valores escrotos do escravagismo. 

Fotografia perfeita casando com o clima cru por vezes documental (novamente) do longa propõe-se a mostrar a saga de Northup sem triunfá-lo diretamente, apenas mostra-o como mais um que lutara pra sobreviver diante de tantas adversidades. Correta edição, excelente trabalho sonoro. Completam o serviço uma contida trilha sonora de Hans Zimmer, ao contrário de alguns temas seus mais ribombantes anteriores. Porém não lá muito original. Sempre lembranças da trilha do filme A Origem, também sua, aqui e ali.

Filme que gera uma gama de discussões acerca do tema e onde, por exemplo aqui no Brasil fomenta a discussão da situação da exploração sexual por sobre os escravos amenizada por Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, onde o próprio tratava a situação de maneira bastante condescendente, onde é explicitado que as escravas simplesmente seduziriam o senhor em vários casos por exemplo, e mesmo que existam fatores de exploração sexual não seriam citados com espaço suficiente nesta obra. Cabe a discussão, sem destroçar anacronicamente a obra de Freyre, mas, sim, problematizá-la e compará-la ao que analisamos vários anos depois em 12 anos de Escravidão em sua exposição mais clara e, sim, realista destes fatos, comparadamente a obras anteriores como o próprio casa grande, refém de sua época. Não esqueçamos disso.

Em um país como o nosso em que outras discussões do tema transformam-se e constituem-se em outros braços das anteriores, como acerca de cotas raciais nas universidades que enchem bares e botecos pelo Brasil afora, este grande filme veio em boa hora para alimentar e enriquecer os mais diversos debates.

Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira