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domingo, 16 de março de 2014

Gravidade (Gravity, 2013)



Este tive o prazer de ver no cinema. No mais sua grande característica é esta: O choque catártico imagético e sonoro em tela.

Espaço.

Bom a história se resume a quase uma sinopse: após um acidente, destruição de um satélite russo via bombardeio? Foi essa marmota que entendi. Forma meio estapafúrdia de destruir um satélite próprio, acidente absurdo ou a forma russa de embaçar uma missão americana? 3 hipóteses idiotas possíveis que o roteiro não se atém a explicar - a cientista Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e o astronauta Matt Kowalsky (George Clonney) ficam a deriva tentando sobreviver e voltar a Terra.

Direção.

Indo logo ao que interessa. Gravidade é um dos mais arrebatadores arroubos visuais (fazia um certo tempo que eu não me surpreendia com tal apuro visual em um filme desde Árvore da Vida em 2011 precisamente) dos últimos anos por conta de sua estupenda direção, fotografia, edição e feitos visuais que fomentam as várias camadas metafóricas acerca do valor da vida humana dissecadas do simples (por vezes simplório mesmo) roteiro que venham a enriquecer o filme - algumas camadas estas que remetem a similitudes (a questão da importância da vida humana diante do extraordinário a sua volta por exemplo) também ao Árvore da Vida, porém sem a mesma sensibilidade e genialidade de Terrence Malick. Porém em Cuarón o tratamento aqui é de maneira mais intimista diante do arroubo metafísico de Malick.

O início extraordinário, o já tão comentado plano-sequência inicial (aliás planos-sequências no plural a meu ver, porque pode-se perceber a possibilidade de um corte claro em que a câmera, em determinado momento, se volta belissimamente contemplativa para Terra onde pode ter havido um corte ali - coisa que o Hitchcock fez em "Festim Diabólico" em 1948, e não desmerecendo Cuarón de forma alguma aqui), que transpõe o absurdo da qualidade técnica do longo e nos mostra somente o começo do deslumbre.

Roteiro e direção.

Após o famigerado acidente (presentes aqui espetaculares movimentos de câmera numa odisseia agonizante de Stone até se livrar do módulo espacial em volta de toda uma estrutura que é destruída com uma apavorante sonoridade quase nula que alimenta carnivoramente o clima de tensão) Matt encontra Stone e partem em busca de uma estação russa onde há um módulo com combustível o suficiente para levá-los de volta a Terra. Aqui nem entro demais no mérito do porquê não existir ninguém em nenhuma das estações (russa e posteriormente chinesa), quem sabe após descobrirem o acidente foram abandonadas ou simplesmente não estavam em funcionamento, outro ponto que o roteiro simplifica não expondo estas informações visando enaltecer o caráter de solidão de Matt e Stone.

Direção de novo. Metáforas.

Metáforas claras sobre vida e morte são traçadas a todo momento (bela cena do útero) e a luta do ser humano pela sobrevivência em espaço enclausurado onde depende-se de sua força para seguir adiante mediante as adversidades impostas por um situação quase insustentável de conter a vida humana. A vida em construção. Um feto a sobreviver ao útero imemorial, numa luta constante em uma ambiência desconhecida. Essas são algumas das metáforas mais interessantes empregadas por Cuarón em seu longa. Não soa tão superficial e nem tão gratuito, porém, repetindo a comparação anterior, não possui a sensibilidade de Malick. Mas possui força e coração pra se levar adiante este drama metafórico entre vida e morte já tão explicitado aqui culminando no último elemento... a terra, onde a luta já havia se dado com ar, fogo e água. Bom final, um pouco melodramático demais, mas satisfatório e belo em grande parte.

Roteiro. Simplista. Solidão. Desculpa ou inteligência? Os dois.

Roteiro. Já apontei alguns elementos duvidosos do roteiro que sempre busca a falta de informações para manter o nível solitário que Stone deve ter. Agora, mas com a falta de experiência da personagem como ela ia lidar com estruturas de navegação que não lhe eram tão conhecidas? A meu ver aqui houve um consenso entre as nações que possuem estações espaciais e buscam obter similitudes para que casos que assim ocorram possam ser mais bem resolvidos? Ou simplesmente por dois países usarem a patente de um país e pagarem royalties por sua tecnologia? Isso o roteiro nem se dispõe a tratar, porém trata-se de uma certa preguiça envolta do tal aspecto de solidão explicitado. Na maior parte do tempo funciona, mas a falta (de competência para tal) de informação no acidente inicial porém não funcionara comigo, que é um ponto de virada para toda a construção da dramaturgia geral do longa.

Outro problema seria a superficialidade de alguns clichês grosseiros na formação da personagem de Stone. Primeira missão dela (a novata que se vira e sobrevive, batido demais, logicamente), acontece um acidente e ela tem que dar um jeito pra não morrer, e ela ainda acaba de perder a filha e precisa de motivos extras pra viver. Realmente não era necessário este dramalhão todo com ela e também quando são mostradas fotos da família de um determinado personagem com ele morto ao lado pra se causar choque ou certo melodrama. Não estragam o filme mas arranham uma obra que poderia ser revolucionária além dos aspectos visuais e sonoros, porém a criativa direção de Cuarón transpõe alguns limites do roteiro. Felizmente em sua maior parte.

A alegria da parte técnica absurdamente boa.

Falar da parte técnica é chover no molhado. Assim como Cuarón, um dos responsáveis pelo absurdo apuro visual deste filme, Emmanuel Luberzki, não por acaso o genial fotógrafo de Árvore da vida, que aqui repete a qualidade absurda de seu trabalho casual em uma paleta de cores estupenda tanto na visão desoladora do espaço, seus perigos e desdobramentos à visualização claustrofóbica por dentro dos módulos russo e chinês diante também de suas dificuldades e perigos apresentados. Uma fotografia andando lado a lado com tensão do filme onde nos conduz ao final redentor num lindo contra-plongeé de sua protagonista.

Edição e som estupendos seguindo as qualidades da direção de fotografia, onde todos moldam-se aos aspectos metafóricos visuais e o eterno deslumbre do filme, o que é deveras vantajoso, apoiar-se no que há de sublime. Difícil não se alegrar com a qualidade visual do longa do começo ao fim.

Trilha sonora de Steven Price soa acertada, inteligente e tensa nos momentos certos, onde o silêncio e o respirar balbuciante fazem parte da sonoridade por vezes musical do espaço.

Efeitos visuais extraordinários, caprichados diante das exigências de Cuarón e seus planos-sequências, uma verdadeira revolução tecnológica, antes vista em pouco mais de 20 filmes. Ponto altíssimo do filme.

O elenco seria mais para uma dupla, que faz o serviço de maneira competente, onde Sandra Bullock compõe a melhor atuação de sua carreira em uma personagem simples que passa por provações físicas e mentais absurdas, e ela faz isso com naturalidade e paixão. George Clooney se diverte com Kowalsky, servindo como ponto de fuga para as adversidades absurdas oferecidas pelo inóspito.

Homenagens a "2001 - Uma odisseia no Espaço" soam divertidas e belas, a clássica cena da caneta por exemplo, e assim como citei Malick, a questão da valorização e nascimento de uma vida humana, já feito impecavelmente por Stanley Kubrick, é representada aqui. O filme perambula cheio de citações visuais acertadas que tanto homenageiam quanto metaforizam o cinema e a vida, um cinema pulsante, vivo, amor ao cinema, amor a existência humana. Mau roteiro. Bom filme.

Nota 7,5

Por Ted Rafael Araujo Nogueira