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domingo, 16 de março de 2014

Hora mais Escura (Zero Dark Thirty) 2012

Advinda anteriormente de um filme que trate dos entremeios bélicos americanos, Kathryn Bigelow nos traz outra obra sua a respeito das investidas americanas contra o alcunhado terrorismo. Trata-se da história de caça ao homem mais procurado do mundo Osama Bin Laden. Após o 11 de setembro de 2001 a guerra ao alcunhado terrorismo estava declarada pelo presidente Bush e sua cúpula contra o grupo terrorista Al-Qaeda e seu famigerado líder Bin Laden. 

Bigelow comete a decisão acertada de focar seu filme na caça da inteligência americana propriamente dita, e não dar espaço a discursos políticos exacerbados e descartáveis, acerto também cometido em sua obra anterior The Hurt Locker (guerra ao terror - tradução infeliz). A diretora busca (?) uma maior aproximação possível de uma (não) possível imparcialidade (?) política, onde aplica seu discurso seco buscando um aporte documental que nos faça crer na caçada e em tudo que os atentados e a procura por Bin Laden sejam verossímeis. Ela consegue. 

As já tão citadas, elogiadas, mal faladas e diversamente interpretadas cenas de tortura produzem um efeito de catalisador circunstancial do apelo ianque a caçada ao Bin Laden, justificando seu modus operandi onde fins justificam meios, e o mais impressionante: Bigelow consegue isso de uma maneira demonstrar que este pensamento político americano é real e defendido por muitos, e a diretora posiciona-se na crença de que tais ideologias existem e são utilizadas e o seu discurso é nos deixar escolher que lado ficar ou simplesmente não escolher nenhum, manter-nos apenas com o choque provocado pela tortura, e também por atentados. Deixar-nos na dubiedade é uma pretensão da diretora. A tortura é execrável? Sim. Os atentados o são também? Sim. Mas as motivações dos personagens são inteligíveis? Compreendemos suas atitudes? A diretora propõe o debate, a discussão. Execrando atos de violência de quaisquer lados que eles venham. Não propõe um antiamericanismo ou antiterrorismo, mas uma antiviolência. A busca acerca de uma possível imparcialidade da diretora que citei no parágrafo anterior é exatamente uma forma discursiva política antiguerra.

Quanto às cenas propriamente ditas: excelentes. Detalhadas e longas causando ânsia de vômito em alguns de estômago mais fraco talvez, não pela violência física, mas pela humilhação simbólica onde o provável participante da Al-Qaeda é tratado e demonstrado como menor que um ser humano a ele mesmo. Elementos utilizados para a concatenação de uma provável confissão, aparentemente de maneira fria e distante por parte dos torturadores (o que teria de ser óbvio, que torturador teria credibilidade se na hora do pau ficasse com pena?), porém, em Maya (Jessica Chastain), e mesmo o próprio torturador inicial Dan (Jason Clarke) fora do contexto da sala de tortura, mostram um crescente desagrado (A busca de Maya através dos interrogatórios é entremeada por relances de pavor interno, porém uma batalha por ela creditada como justificável) com o que fazem, mas acreditam que aquilo é necessário por estarem já tão motivados por todo um sentimentalismo americano que viera pós 11 de setembro, que lhes causa uma busca frenética pela verdade (que lhes convém) independente das consequências de suas ações a seus exteriores sociais e interiores políticos. Uma qualidade notada no longa seria mostrar o fato de que Dan, após todos o processo de tortura que liderara, simplesmente é colocado voltando aos EUA para compor um serviço burocrático na CIA. Isto denota uma assimilação da tortura em algumas operações secretas da inteligência. E que terminado o trabalho volte pra casa meu jovem e tenha outro dia feliz.

O foco intrínseco na investigação produz um teor claustrofóbico na narrativa que possibilita-nos processar informações de elementos de fora sem termos o total conhecimento dos porquês dos atentados na Arábia Saudita e Inglaterra por exemplo. O filme não nos dá explanações didáticas acerca disso, deixa apenas no ar a tensão diante da presença de americanos em territórios do Oriente Médio (que ocasiona uma espécie de guerra étnica em países que já sofrem com demasiados conflitos com seus vizinhos, o que somente aumenta o clima de desconforto para estes territórios), onde nos é mostrado os atentados como consequências desta própria presença norte-americana nos tratando como conhecedores do contexto político geral desta invasão político-cultural ianque. 

O roteiro de Mark Boal procura sempre uma busca tenaz à veracidade e não um compêndio de cenas ação remendadas com diálogos. O impacto dos atentados são ressentidos e encarados no filme como acontecimentos verossímeis diante de uma determinada, e perigosa, realidade onde os atos extremos são concatenados em quaisquer lados que forem buscando um objetivo de maior importância que o método utilizado venha a ser considerado negativamente. A direção destas cenas impressiona pelo realismo empregado por Bigelow que nas construções dos planos busca nos manter dentro dos ambientes e inseridos nos conflitos. Uma fotografia estupenda somada a montagem recorrem ao incisivo realismo que já citei causando certo desconforto no espectador por esse real, isso se deve, muito em parte, pelo trabalho sonoro, por mim considerado o melhor de uns anos pra cá. Poucas vezes vi um trabalho assim que me colocasse tão interligado às tensões enfrentadas nos tais atentados. A excelente trilha sonora de Alexandre Desplat (Árvore da Vida) contribui de maneira coesa e discreta no decorrer de quase todo o filme excetuando-se em algumas cenas finais onde se mostra totalmente encaixada e assustadora. 

O elenco faz bem o seu papel com destaque para Jason Clarke e principalmente na construção de Maya por

Jessica Chastain, que molda todos os elementos entre forças e fraquezas da personagem nos dando uma personagem forte e memorável que tinha de carregar-se praticamente o filme inteiro para o grande exercício final de direção de Bigelow na caçada e morte propriamente dita de Bin Laden. Elementos como a não valorização de uma mulher nesse trabalho é enaltecido na fúria de Maya que luta pela caçada apesar de certo descrédito de seus superiores. 


A caçada final. Provavelmente uma cena culpada pela minha própria opinião de um filme com o melhor trabalho de direção do ano nos mostra como se dera a caçada final dos Seals (fuzileiros navais de elite americanos) ao Osama Bin Laden engendrada sempre pela CIA. A cena inicia-se no avanço secreto dos helicópteros por montanhas paquistanesas onde somos agraciados pela estupenda utilização musical com a faixa "Flight To Compound" que traz um clima absurdamente tenso a que caçada do homem mais procurado do planeta mereceria, desde o receio constante dos soldados à fotografia espetacular tirando proveito máximo do cenário. Ao chegar a casa onde Bin Laden estaria somos colocados a nos adentrar através da visão dos soldados, seja normalmente ou por uma visão infravermelha. A montagem se coloca de maneira impecável, juntamente com a estupenda edição de som, moldando as mais diversas tensões na caçada. Uma espécie de invasão, por vezes, em primeira pessoa, que proporciona um adentramento profundo no espírito diegético proposto pelo longa. Até a morte de Bin Laden. 

Ok ele morreu. E daí? Missão cumprida América. E? A pergunta se impõe, o homem foi caçado, subjugado e morto (inteligentemente não tratado como mártir), porém o resultado ideológico imperialista obtido pelos EUA não fora o esperado. E é a isso que a obra se atém. Valeu a pena gastar milhões, matar alguns e torturar tantos outros numa queda de braço com um grupo fanático? Não como uma resposta, mas como uma consequência o filme se despede com Maya cumprindo seu dever e voltando a seu país de origem. Um país estranho que receberá uma pretensa heroína (?) que já começa a se mostrar alquebrada de tanta dedicação e esforço por uma condição política duvidosa finalmente até para a mesma.

Nota 9

Por Ted Rafael Araujo Nogueira