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segunda-feira, 17 de março de 2014

Elysium - 2013



Elysium. Novo filme do sul-africano Neil Bloomkemp, que novamente envereda pela ficção científica e seus percalços distópicos após seu brilhante filme de estréia Distrito 9. Onde a comparação com este último é óbvia por demais para ser descartada ainda que pela expectativa criada pela tamanha qualidade de Distrito 9. Porém Elysium consegue sobreviver sozinho. 


O filme trata da história de Max (Matt Damon) que ao sofrer um acidente químico onde trabalha, lhes é dado o prognóstico de 5 dias de vida. A partir disso ele se envolve com Spider (um traficante de seres humanos) que o contrata para um serviço de risco para, assim, ir a Elysium, local onde vivem as altas castas sociais que abandonaram a Terra e a usam como curral trabalhístico onde exploram-se os mais diversos trabalhadores, que na Terra ficaram, e que buscam desesperadamente sobreviver. Em Elysium não é permitida a entrada de pessoas de castas inferiores, onde entra a questão do tráfico humano e é em Elysium que se possui a tecnologia médica viria a possibilitar a cura das mazelas físicas de Max. Mas o que ele descobre pode ser a chave para o fim da dicotomia social grave existente.

Roteiro do próprio diretor visa menos o debate dicotômico de castas sociais e mais a resolução maniqueísta da trama. Porém quando se propõe a debater a tal dicotomia principal (sim, existem várias) o faz de maneira seca e concisa. Buscando sempre expor conflitos étnicos imbuídos de relevância diante da drástica situação em que estas várias etnias se encontram, onde até o uso de um elenco tão cosmopolita culturalmente denota as intenções deste filme. Mostrando que não só de americanos é feito o cinema e o próprio EUA, analogia nada delicada, marca do diretor. 

Neil Bloomkemp realmente não é um cara de sutilezas. Longe disso. Trata de maneira dura (na maior parte do tempo bastante satisfatória) as questões da luta de castas onde um ponto interessante é ressaltado: a questão idiomática. Questão esta que divide de forma dual diante das castas, onde na Terra se fala Inglês (universal), mas também há a dura presença de idiomas outros como espanhol e português. Aqui numa alusão aos questionamentos acerca da problemática da questão da imigração de estrangeiros ilegais nos Estados Unidos, que, grosso modo, se saem as castas mais abastadas sobraria uma enorme parte dos imigrantes no país (assim como a questão nada sutil do Aparthied mostrado no distrito 9). Em Elysium (propriamente dita) a sujeira é trocada pelo visual clean e pela utilização do francês somado com o inglês como idiomas existentes pertencentes a classe rica americana e européia que possuíam um controle estratégico radical e total de todos os recursos existentes, onde as instâncias controladoras dos códigos morais, éticos e jurídicos tornaram-se mais excludentes e cínicos. A visualização de tudo na própria ilha espacial Elysium é tratado paradoxalmente quanto à Terra, onde Elysium realmente metaforiza o paraíso a ser alcançado pelos terráqueos em agonia.

Desses elementos acerca da questão de paraísos e infernos somos banhados por outra dicotomia pesada entre bem e mal grega na representatividade simbólica e análoga dos Campos Elísios e o Tártaro, na clássica alusão entre céu e inferno aqui devidamente bem contextualizada. Onde os detentores do poder em Elysium deixavam seus indesejáveis na Terra. A Terra seria a significação do Tártaro onde ficavam os Deuses banidos vigiados por Hades, Deus do submundo. No filme há um regulador trabalhista análogo à Hades. Um chefe controlador direto das almas que seria John Carlyle (William Fichtner) dono da empresa de tecnologia robótica Armadyne responsável por grande parte da tecnologia de Elysium, e que tem uma estreita relação com Delacourt (Jodie Foster) a grande poderosa de Elysium. Onde as relações hierárquicas dependiam de todas estas divisões de controle absurdas e fomentavam o crescimento cada vez maior de buscas por poderes mais absolutos ainda. Esta é uma analogia interessantíssima levada a cabo por Bloomkemp e esta é explicitada de maneira satisfatória.

Interessante o tratamento às castas inferiores no que acrescenta-se em relação às suas condições de trabalho, que, de certa forma, retornam quase aos tempos de revolução industrial. Como se uma nova revolução tecnológica tivesse transformado implacavelmente a sociedade, onde muitas das mais diversas e divergentes condições de sobrevivência, diante da exploração trabalhista, viessem a assemelhar-se a outras de 150 anos atrás numa espécie de eterno retorno nietzschiano em que as alternâncias de situações nunca findariam e sempre mostrar-se-iam pertinentemente repetentes (eixo teórico crítico transposto por Neil), aqui comento a nível metafórico, que o diretor se refere, e faço um comentário acerca de alguns elementos, apenas, desta dicotomia, sempre atento a anacronismos errôneos de comparações de totalidade. Interpretação parcial dos acontecimentos e não total. Isso mesmo em alguns de seus pormenores, como o distanciamento social e físico cada vez maior entre patrão e empregado por exemplo. 

A grosseria dentro de um sujeira caracterizada por Bloomkemp cria um clima doentio e formidável onde suas temáticas violentas mostram-se extremamente salutares, como já acontecera em seu filme anterior. A capacidade desse diretor para a disparidade nas relações é tangível e propositadamente grosseira. Distanciada. Nada sutil mesmo. Com direito a até um nojo físico por parte do moradores da própria Elysium, como se estivessem lidando com leprosos. A direção visa a construção de uma ambiência sempre dando a visão de seus personagens, desnudando e não enaltecendo seus extremamente competentes efeitos visuais onde o deslumbre é pelo contexto físico e social. Pode parecer dialético isso, porque o longa se destina demais às grandes cenas de ação, mas com a mesma sujeira e falta de glamour deste universo, mas, realmente é a contextualização distópica metafórica um dos grandes lances do filme. Porém as tais cenas de ação são extremamente bem executadas onde a montagem juntamente com a fotografia presta um excelente papel na inteligibilidade das mesmas. Entende-se tudo o que vê, raro nas mais diversas montagens de grandes filmes de ação. 

Elysium peca em alguns momentos exatamente por se propor a parte da ação contínua onde seus conflitos internos e diversas analogias são pouco explorados (excelentes sim, mas não possuem tanto tempo em tela quanto deveriam).Tudo isso sem esquecer de mencionar o drama envolvendo o seu par romântico esperançoso em Alice Braga, que simplesmente soa desnecessário. Um roteiro mais bem acabado teria sido de enorme valia para uma maior apreciação do filme que fica aquém de seu próprio e grandioso potencial. Dicotomia e maniqueísmo. Explicitei bastante estas palavras, onde se realmente gira nessa atmosfera grosseira e pouco explorada, onde muitas das diversas dualidades permanecem não-aprofundadas. Por isso minha insistente repetição nas palavras, que fica clara a opção política direta de Neil. 

Warner Moura brilha hiperativamente como o líder rebelde escroto Spider em um personagem tridimensional, extremamente humano, e, principalmente, sacana pra cacete. Sharlto Copley brinda o filme como um dos grandes vilões do ano em toda a sua psicopatia e cinismo, compondo a melhor atuação do longa, mesmo com um personagem não tão complexo, beirando o unidimensional. Matt Damon faz dele o que se espera como protagonista levando a narrativa adiante sem firulas em atuação correta apenas. O resto do elenco atua sem contra-indicações e Jodie Foster atua simplesmente no automático em personagem de grande importância e nada explorada. 

Na parte técnica o filme da um banho em todos os quesitos, desde montagem/fotografia à efeitos especiais e sonoros, sempre seguindo a cartilha da bela sujeirada exigida pela atmosfera característica criada por Bloomkemp. Ótima trilha sonora adentrado de maneira correta e sem exageros. Forte e bem composta.

Mas não sai-se muito disso. A crueza temática do diretor merecia um tratamento mais denso a algumas questões, porém um filme de um orçamento mais parrudo talvez não desse espaço para tratamentos mais acabados, e nem por isso deixei-los-ei sem críticas. Pra não me estender mais termino explicitando que Elysium é um bom filme sim, e podemos vê-lo não com a cabeça no Distrito 9 (apesar das já citadas óbvias comparações). Distrito 9 primou tanto por 2 grandes personagens, contextualização de ambiente, criticidade política e social, parte técnica impecável, belíssimo trabalho de direção e um grande roteiro. Essa é a diferença para Elysium que seu problema seria o fato de se encurtar em suas ótimas teorias e aspectos metafóricos a tudo que fora citado. Até as dicotomias (pela milésima vez) de sempre aqui neste cinema sendo problematizada mais em sua estrutura social e em seus pormenores geraria elementos mais positivos que considerassem o longa ainda bem mais como bom entretenimento. Mesmo com suas dificuldades aqui está um ótimo exemplar de um gênero por vezes tão destroçado, mas sempre de inomináveis proposições futuras imundas (só finalizando com um trocadilho sujo e seboso).

Nota 8

Por Ted Rafael Araujo Nogueira