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sábado, 15 de março de 2014

Watchmen 2009


Baseado na Graphic Novel revolucionária homônima de 1987 (do prestigiado Alan Moore) transpõe-se como uma grande e imponente obra crítica à política americana e seus anseios, além de conter uma motivada crítica a própria indústria cinematográfica americana e a outros aspectos gerais da cultura ianque. 


A história desenrola-se a partir de uma investigação de Walter Kovacs / Rorschach na busca por um suposto assassino de mascarados que, segundo ele, estaria caçando todos os antigos vigilantes, e passa a encontrar-se com uma cada vez mais intrincada rede de espionagem internacional que o levam a um destino de combate ao crime sem precedentes de uma forma nunca antes vista, que transformaria a condição política e social de todo o planeta. 


O período retratado seria um recorte a partir de fins da década de 30 ao ano de 1985 (que os produtores tinham o infeliz plano trazer o filme para a atualidade e estragar todo o arcabouço contextual – principalmente nos trâmites da Guerra Fria e sua corrida bélica – de Moore), logicamente com alguns intervalos, e o filme discorre suas ações diante de todo um mosaico político buscando uma transposição, em boa parte, doentia (positivo diante de alguns absurdos cometidos na adaptação de outras obras, por exemplo, do próprio Moore como em Liga Extraordinária) a caráter da adaptação da obra dos quadrinhos. 


A conotação política deve ser levada em consideração como crítica ao american way of life e suas concepções do que seria o americanismo alienante no que tange ao governo se utilizar de um poder quase absoluto para vencer uma guerra com a completa rendição do Vietnã, e como a população do país reage de maneira positiva quando necessita dos vigilantes e quando são motivados e excluí-los da sociedade. 


Mesmo sendo um grande fã da HQ, não sou a favor do xiitismo exacerbado de muitos quanto a esta adaptação, porque deve ser levada em consideração as diferenças entre as duas mídias, e uma transposição total seria dificilmente viável (o fato da obra dialogar com teorias fractais e toda a mesma ser simétrica em sua composição geral de quadros - o filme, corretamente, somente cita e homenageia elementos como esses) de uma obra tão abrangente e complexa quanto Watchmen. 


Visualmente arrebatador. Com uma fotografia chapada belíssima (Larry Fong, companheiro já habitual do diretor) no destaque, somada ao exímio trabalho de Snyder com a câmera lenta, que agora o fizera com qualidade como em 300, principalmente, na cena de abertura (fantástica e, sem dúvida, uma das melhores partes do filme). A direção de arte impressiona por um misto de realismo do período com elementos de uma tecnologia energética modificada pela presença do Doutor Manhattan de maneira perfeccionista e arrebatadora. 


Uma das preocupações iniciais quando se tentaria transpor a obra ao cinema (além da dificuldade da direção de arte e de um roteiro inteligente e enxuto – a saber, Terry Gilliam tinha a intenção de dirigir a obra no início dos anos 90, porém foi persuadido por Alan Moore a não fazê-lo, Paul Greengrass também fora cogitado no fim dos anos 90) seriam os efeitos visuais para, por exemplo, se compor o próprio doutor Manhattan e não só pintando-o de azul como um membro do blue man group. Os efeitos mostram-se impecáveis em todas as suas cenas, onde produzem impacto de maneira seca (além da construção do próprio Dr. M.) principalmente na explosão ao fim do filme.


O elenco, escolhido a dedo, produz um belo espetáculo apesar de uma escorregada aqui e ali (a inexpressiva Malin Akerman como Laurie Jupiter / Espectral II). Billy Crudup como Dr. Manhattan / Jon Osterman consegue sintetizar bem o lado humano inicial de Osterman e compõe bem o tom de voz imparcial e expressão ideais à frieza crescente de Manhattan. Patrick Wilson (Dan Dreiberg / Coruja II) faz um burocrático coruja sem contraindicações com até alguma qualidade no derrotismo habitual de seu personagem. Inicialmente ao ver o filme no cinema pela primeira vez (e como fã confesso da HQ) decepcionei-me primeiramente com o filme e muito em parte por culpa da figura do Ozzymandias (Matthew Goode) que não me parecera convincente devido ao caráter de tour de fource que acreditei que deveria ser empregado, porém após uma segunda leitura comecei a me interessar pela interpretação do mesmo onde deparei-me com a mesma crítica a alguns valores sociais e culturais na HQ, mas de maneira mais escrachada no filme (como no caso da homossexualidade do mesmo, que no filme é praticamente exposta), com direito até uma brincadeira em frente a boate Studio 54, tornando um personagem mais afetado e grandiloquente. Jackie Earle Haley brilha como Walter Kovacs / Rorschach desde a entonação vocal aos trejeitos doentios e as belas cenas de luta, porém impressiona mesmo nas feições de paranoia e desespero quando esta sem máscara em suas sequências na prisão e em seu aterrador final. O mais brilhante, porém, e um dos que menos aparecem em cena, seria Jeffrey Dean Morgan (Edward Blake / Comediante) que o ator toma conta de cena com todo o seu caráter amoral, sarcástico e repulsivo onde acredita que o mundo é, tão somente, uma grande piada de mau gosto e somente teria sentido uma existência nele como uma paródia do mesmo.



O roteiro a cargo de David Hayter e Alex Tse procura manter a maior proximidade possível com a obra original, que somada a segura direção de Snyder, produzem momentos antológicos (como a abertura) sempre reverenciando a obra de Moore, porém tomando devidas e acertadas liberdades principalmente na mudança drástica do final do longa. Snyder não é lá um cara de sutilezas e acreditou que na adaptação seria necessário acrescentar um tom mais pesado e agressivo as críticas e situações propostas, o que mostra a sua visão sobre as diferenças entre as mídias, o final está incluso nesses tons, mas a cena sexual entre o Coruja e a espectral me pareceu longa e desnecessária a trama (da forma como fora constituída exageradamente), e as piadas neste momento me pareceram muito sem graças (o fogo e o aleluia da música – apesar da piada original ser da HQ). Porém a ultraviolência pareceu-me necessária e adequada perfeitamente ao filme visto que o choque da HQ em sua publicação original fora diverso, o mesmo não aconteceria hoje onde diante de espectadores bem menos chocáveis e sem o tal medo compreensível de uma guerra nuclear acreditada por muitos como iminente.


O fato de não haver os contos do cargueiro negro foi uma decisão sábia para diminuir o tempo do filme, quem assistir a versão integral poderá perceber que a inclusão desses contos não se encaixa na trama de maneira perfeitamente simbiótica como fora na HQ (porém quanto às cenas extras da versão do diretor, algumas somam de forma significativa a história - também, logicamente, para deleite dos fãs - como a cena da morte de Hollis Mason e a reação de Dan a esta notícia. Além de outras pequenas boas cenas). Quanto a invasão e a grande batalha dentro da prisão demonstra uma certa vontade de angariar publico por parte dos produtores, bem feita e com uma música descartável. A parte da nudez do Doutor Manhattan não me incomodou, não senti tanto exagero quanto da primeira vez que assisti ao filme. Parece-me ousado e corajoso para um filme movido no mainstream. 


Ótima trilha sonora (tirando a musica dos créditos e a famigerada Hallelujah) onde as cenas evoluem dramaticamente com as músicas, ao maior exemplo na visita de Manhattan à Marte e todas as músicas nas composições onde aparece o comediante. 


O final eu pensei a respeito e assisti com atenção outras vezes e continuou coeso e de certa forma tão bom quanto o original, muito pela verossimilhança do fato de que um ataque do Dr. Manhattan as grandes metrópoles mundiais acarretaria uma união dos países em prol do melhor para a humanidade, visto que todos pensando em outra destruição causada pelo azulão iriam se preocupar com ele e não mais com a Guerra fria em voga e a quase eminente destruição global pelos mísseis. E também, convenhamos, uma lula gigante colou mais em tempos da década de oitenta (auge das crenças em ovnis), além do que teria de se ater a boa parte do roteiro para explicá-la. E a investigação que motivara a morte do Comediante ao descobrir inicialmente os planos de Ozzymandias convenceu-me na realização de um final diferenciado, porque o presidente Nixon colocava os mascarados sob vigilância após a homologação da Lei Keene (que proibia a existência de vigilantes que não trabalhassem para o governo), e como o Comediante trabalhava pro governo ele descobrira primeiramente. 


Ousado e ambicioso é mais um degrau nas adaptações cinematográficas que se mostram (ou tentam) parecer cada vez mais fiéis as HQ's. Um filme sério que paira como um exemplo pretensioso e que deve ser enaltecido e não relegado. Watchmen pode ser o futuro Blade Runner, que não foi bem recebido na época e hoje é um cult, e Watchmen pode seguir o mesmo caminho, mesmo que não seja lhe dada essa alcunha, o filme deve ser respeitado pela coragem autoral diante de um grande projeto da, muitas vezes, mera fabriqueta de sonhos infelizes de Hollywood.

Escrito por Ted Rafael Araujo Nogueira

Nota 9